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“Por favor, anota pra mim?!” – Fiado em tempos de cartão

Tradição do caderninho ainda se mantém no Centro de Florianópolis

Um costume que perdeu popularidade nas últimas décadas ainda resiste no Centro de Florianópolis: o mercado de bairro que anota os valores das compras no caderninho para pagamento no final do mês.

Um dos últimos redutos a manter a prática é o Mercado Grasel, na avenida Hercílio Luz. O tradicional estabelecimento abriu as portas há 35 anos e desde então tem uma clientela cativa.

A proprietária Marlene Grasel afirma que atualmente cerca de 40 clientes ainda pagam após receberem o salário ou aposentadoria. “A maioria é de idosos das redondezas que se acostumaram e insistem em manter o hábito”.

No início das atividades o caderninho contemplava centenas de clientes. Mas, pouco a pouco, o costume foi desaparecendo. Entre os motivos, Marlene aponta para a maquininha do cartão de crédito. “Foi isso que mudou o quadro definitivamente”.

Uma das clientes que ainda cultiva a prática é Glória Mello. Moradora de um dos prédios no ‘Paredão’ da Hercílio Luz, anota todas as compras e paga no fim do mês. Para ela, o sistema facilita a sua rotina. “Vou ao mercadinho várias vezes por dia para comprar uma coisa ou outra que estiver precisando”, disse, enquanto pede para anotar uma cartela de pilhas.

Marlene Grasel fundou o minimercado em 1984, junto com a irmã Anair, após adquirir o ponto onde funcionava um açougue. Numa área de aproximadamente 40 metros quadrados, tem à disposição dos clientes todos os produtos, como qualquer grande supermercado, carecendo apenas de maior variedade de marcas em razão da limitação do espaço.

O calote sempre esteve presente no cotidiano do mercado, porém, isso ‘faz parte do negócio’, segundo Marlene. Ela acrescenta que mesmo nos dias atuais, ‘de vez em quando’ algum cliente das antigas desaparece sem acertar as contas.

Um dos diferenciais do estabelecimento é a entrega a domicílio, após o cliente fazer o pedido pelo telefone. Quando tudo estiver detalhado na caderneta, um funcionário leva até o endereço, sem a necessidade de envolver dinheiro ou cartão.

Mas Marlene Grasel vai logo avisando: a abertura de novas contas para o fiado está suspensa há anos. A mordomia continua apenas para os clientes antigos.

Beira Mar Norte também mantém a tradição

Tradicionalmente, a Panificadora Gomes, na rua Arno Hoeschl desde 1989, era referência no uso do caderninho para os clientes do entorno da Beira Mar Norte.

Hoje, porém, apenas uma dezena de clientes ainda anota as compras e paga no final do mês. “Estamos querendo acabar com o costume que, após o apogeu do cartão de crédito, não tem mais sentido”, afirma o atendente Volmir Gonçalves.

Ele explica que mantém o hábito porque esses fregueses, a maioria idosos, não abre mão do privilegio. “Se suspender, esses clientes podem se ofender e deixar de comprar aqui”.

Alguns ditados populares:

– Fiado só amanhã

– Fiado só para quem pagar adiantado

– Fiado é igual a barba, se não cortar só cresce

– Fiado só se faz a um bom amigo, e o bom amigo nunca pede fiado.

– Fiado só para maiores de 90 anos acompanhado dos pais.

– Nota de falecimento: aquele que em vida se chamou fiado faleceu ontem, vítima de calotes, deixando viúva, dona cobrança e seus filhos menores, pendura, volto depois e amanhã eu pago. A família enlutada agradece se você não falar o nome do falecido. Não traga rosas e sim dinheiro!

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Chia: barbeiro mais antigo do Centro já fez 200 mil cortes

Profissional ficou famoso a partir da década de 1970 por ser o preferido do ex-governador Aderbal Ramos da Silva

Chia faz cerca de 30 cortes por dia e jamais tirou férias, apenas curte os feriados

Após 55 anos de profissão, Chia, um dos mais tradicionais barbeiros da Capital, atingiu em 2019 a marca próxima aos 200 mil cortes de cabelo, equivalente à quase a metade da população da cidade.
O cálculo leva em consideração a média, que ele faz, de 300 cortes por mês, o que corresponde a 10 cortes por dia, 3,6 mil por ano e 198 mil nas cinco décadas e meia de profissão.

Ademir ‘Chia’ Rodrigues (o apelido originou-se porque tinha asma e seu peito chiava enquanto cortava o cabelo dos clientes), nasceu em 1949, em Capivari de Baixo, Sul do Estado. Filho de barbeiro, começou a sua trajetória aos 15 anos, com o pai e mudou-se para Florianópolis em 1971.

Seu Osório, tradição mané

Na Capital, foi trabalhar como empregado na tradicional Barbearia do Osório, na esquina da Fernando Machado com a rua dos Ilhéus, próximo à Praça 15.

Ele ganhou notoriedade após começar a atender o ex-governador Aderbal Ramos da Silva, que frequentava a Barbearia do Osório, na década de 1970. ‘Ele tinha um barbeiro predileto, mas um dia este faltou e ele me escolheu. Nunca mais quis cortar com outro”, diz, acrescentando que aparou o cabelo e fez a barba de Aderbal até a morte do político, em 1985. “Me buscavam de carro e levavam até a casa dele”, lembra, orgulhoso, acrescentando que durante muitos anos continuou atendendo os netos e bisnetos do político.

Chia conta que nos anos 70 o movimento das barbearias era baixo porque os jovens seguiam a moda da Jovem Guarda, Beatles e Rolling Stones e deixavam o cabelo comprido. Por isso, entre 1971 e início dos anos 80 também fazia ‘bico’ como garçom no Lindacap aos domingos e feriados, dias de maior movimento no então restaurante de madeira, nos altos da rua Felipe Schmidt.

Uma das mudanças que Chia sente é que antigamente a metade dos seus atendimentos era para fazer a barba dos clientes. “Era tão barato que os clientes chegavam a formar fila na barbearia. Hoje, quase não faço esse serviço”.

Outra transformação contribuiu para aumentar a sua autoestima. No passado, a profissão de barbeiro era considerada de segunda categoria, apenas para quem não tinha estudo. O barbeiro não era convidado a nenhum tipo de festa e, se aparecia em alguma, os conhecidos evitavam apresentá-lo identificando a profissão. “Hoje, ser barbeiro é chique”.
Em 1984, abriu seu próprio comércio na recém-inaugurada Rodoviária Rita Maria, onde ficou até 2009, quando se mudou para a rua Francisco Tolentino, ao lado do Mercado Público, frente ao camelódromo municipal.

A barbearia fica no porão de um prédio histórico, um pouco escondido do grande público que passa pela calçada. Porém, a clientela continua fiel ao decano dos barbeiros na Capital.
Chia nunca tirou férias. ‘Não preciso. Faço o que gosto e não canso. Apenas saio nos feriadões, em pequenas viagens para Chapecó e Tubarão para visitar a família’, disse, lembrando que desde que se aposentou, há quatro anos, não trabalha mais aos sábados.

“Adoro cortar cabelo. Sempre gostei. Vou morrer fazendo isso, se Deus permitir”.

Barbeiro tem fama de fofoqueiro. Confere? “Não, é bem informado, sabe da vida de todo o mundo, mas deve guardar segredo para não espantar os clientes”.

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