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Contos de Norma Bruno Reportagens Especiais

Os loucos da nossa aldeia, uma sensível crônica de Norma Bruno

Os loucos da minha aldeia**

Por Norma Bruno
Tenho atração por gente aluada. Tenho respeito, reverência e afinidade também.
A gente se entende. Acredito que os loucos guardam segredos, que sabem coisas que nós não sabemos. Cada lugar tem seus próprios seres encantados, suas figuras bizarras, ímpares, originais.
Eles são parte fundamental daquilo a que chamamos “alma da cidade”.

Nessa aldeia viveram muitas figuras encantadas. Algumas eu conheci, outras não.
Lembro de ouvir falar da Pandorga, que tinha fama de agressiva.
Chegava nas casas e, ao invés de pedir “um pedaço de pão velho”, como faziam os pobres de antigamente, exigia o adjutório.

Quando insatisfeita, saía xingando, rogando praga.
Foi o que ela fez, certo dia, lá em casa. Insatisfeita com a esmola, ela me rogou uma praga. Eu tinha apenas seis meses de idade, tadinha de mim!
A praga só não pegou porque me levaram imediatamente pra benzer de quebranto.

Diz a Guta Orofino, minha querida amiga, que a Pandorga, cujo verdadeiro nome era Doraci, também batia lá na casa dela pedindo um pau-de-sabão e que, invariavelmente, pedia também um cobertor, mas que a dona Dilma não dava moleza.
Certa vez perguntou: “Ô Doraci, o que é que tu fizeste com o cobertor que eu te dei no ano passado?”.
Ao que ela respondeu, peremptória: “Sim, se chega hóspede, o que é que eu ofereço?”.

Outra vez chegou, toda chorosa, reclamava que tinha sido assaltada.
A dona Dilma disse: “Ô criatura, e o que é que tu tinhas pra ser roubado?”.
Ela respondeu, desacorçoada: “O saco da esmola…”.

Tinha o Marrequinha, que em sua loucura encarnava um guarda de trânsito e ficava no meio da rua, no Centro, com os braços abertos, organizando um interminável fluxo de automóveis imaginários, segundo as suas próprias referências caóticas.

Também tinha o Papo Amarelo, que usava um lenço dessa cor amarrado no pescoço e xingava de nome feio quando alguém o chamava pelo apelido.
Dizem que era lá da Lagoa ou da Barra, não se sabe ao certo.
Sabe-se que era devoto do Senhor dos Passos e que não perdia uma procissão.
Certa vez, acompanhando o Filho de Deus na descida do Hospital de Caridade, ele cantava contrito aquele hino que diz: “Bendiiitoo, louvado seejaa…”, quando alguém gritou: “Papo Amareloooo!”.
Ele não contou tempo. Sem perder o ritmo e acompanhando a melodia, emendou: “Papo Amarelo é a puta que pariiiuuu…”.

Outra figura encantada da aldeia era a Nega Tita e dela eu lembro, pois já era mocinha quando a conheci.
Ela era parda, entanguida, de pernas tortas.
Era toda agitadinha e tornava-se muito desbocada quando os rapazes faziam escarne dela.
Tinha uma escadinha de filhos e já faz parte do folclore o que ela disse, certo dia, quando abordada por uma daquelas senhoras piedosas que sobem o morro atrás de criança pra criar.
“Cês qué minino? Então vão dá como o di!”

O Beto do Box me contou que a Tita, coitada, morreu atropelada em frente ao Instituto de Educação, abraçada a duas tainhas ovadas que ele acabara de dar pra ela.
Era Quinta-feira Santa. Não se pode precisar a sua idade, data de nascimento, essas coisas, até porque vida de pobre não deixa rastro, mas o Beto calcula que ela devia ter uns setenta e poucos anos quando morreu, em 2001.

De louco tinha também o Bento, um homem dócil e gentil que morava lá pras bandas da Ferrugem – a Pedreira – na Costeira do Pirajubaé.
O Bento usava uma barba longa até o peito, andava em trapos e carregava nos ombros um cajado com um fardo amarrado na ponta.
Caminhava sem parar. Saía da Costeira bem cedinho, passava na frente da casa do meu avô, no Saco dos Limões, e ia andando toda vida, toda vida, até o Centro.
Voltava no fim da manhã e já no começo da tarde reiniciava a caminhada.
Depois voltava. O povo perguntava: “Ô Bento! Quantas veiz hoje?”.
Ele sorria e recomeçava a sua sina.
Trazia os dedos cheios de anéis – argolas, arruelas, molas e porcas de parafuso que ele ia encontrando pelo caminho e metamorfoseando em lindas joias.

Também viveu por aqui a Martha Rocha que, segundo a minha mãe, tinha esse codinome porque, como a eterna Miss Brasil, ela também andava muito pintada.

Lembro o Bispo, nascido Osmarino, não se sabe onde, um homem atarracado, de cabelos brancos que, desde que incorporou um alto signatário de Igreja, transformava retalhos de pano em paramentos litúrgicos, amarrando-os na cintura, como túnica.
Vestia-se, invariavelmente, de roxo ou verde; no peito usava uma corrente com um medalhão e um crucifixo.
Na cabeça, um solidéu, como deve ser.
Tudo concebido e confeccionado por ele mesmo. Esse eu também conheci.

Faltou dizer
Infelizmente, com a decadência das áreas centrais das cidades e aprisionados que estamos em condomínios fechados e shoppings centers, raramente se vê um louco andarilhando pelas ruas, hoje em dia.
Um sinal contundente de que as cidades empobreceram.

* A “louca” mais famosa da Aldeia atendia pelo codinome Traça, minha personagem mais querida, será tema da minha próxima crônica.

** Excerto da crônica Metamorfose, do livro A Minha Aldeia, 2004.

(A foto de abertura é do Pixabay)

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Eu, meu pai, nosso carro velho e a Ponte Hercílio Luz – Um conto de Norma Bruno

Por Norma Bruno*
Até os sete anos morei num lindo chalé no bairro Saco dos Limões, na Ilha.
Ao entrar em idade escolar – sou do tempo em que não havia “jardinzinho” -, minha mãe inventou de me matricular no Colégio Nossa Senhora de Fátima, localizado perto da casa da minha avó, no Estreito, parte continental da cidade.
(Anos depois ela confessou tratar-se de uma estratégia para se mudar pra perto da mãe).

Daí então que, dos sete aos nove anos, e de segunda a sexta, eu morava na casa da Vó Chica. Nos finais de semana voltava para minha casa.
Meu pai me pegava nas sextas-feiras, depois do trabalho, e me trazia de volta no domingo à tardinha.
Nesse dia, minha mãe e meus dois irmãos vinham também aproveitando para dar uma “voltinha” no nosso velho carro Hillman, de cor creme.

Certo dia, não sei porque cargas d’água, meu pai não pode me levar no domingo. Saímos então na segunda-feira bem cedinho para que ele pudesse ir até o Estreito me deixar e ainda retornar a tempo de cumprir o expediente na Rádio Diário da Manhã.

Deu tudo errado. Mal entramos na Ponte, o Hillmann, que de vez em quando nos deixava na mão, começou a engripar.
Em cima da Ponte, pensa!

Meu pai encostou o carro e abriu o capô para ver o que podia fazer, mas não descobriu o defeito. Dois moços que caminhavam pela lateral da Ponte empurraram o carro de ré até a cabeceira insular, que estava mais próxima.
Eu, dentro do carro, morrendo de medo, sem entender coisa alguma.

A Ponte ainda tinha o assoalho de madeira, os trilhos, do projeto original.

Se saísse do trilho, o veículo teria que continuar assim até o fim, sob pena de tombar. Era o que se dizia.

Meu pai estacionou o Hillmann no Belvedere que existe na cabeceira insular, mandou que eu pegasse minhas coisas e saísse do carro.
Obedeci sem coragem de perguntar o que viria a seguir: meu pai ficava muito nervoso nessas horas.
Ele me pegou pela mão e caminhou em direção à Ponte. Entrou decidido na passarela lateral. Eu entrei porque não tinha escolha.

A passarela era feita de mourões enfileirados numa distância de cinco, sete centímetros, espaço que aos meus olhos de criança se alargava.
Eu titubeava e meu pai me segurava ainda mais firme. De repente, parou.

À nossa frente um trecho onde faltavam duas ou três tábuas alternadas (já naquela época a Hercílio Luz era tratada com descuido) era preciso pisar com atenção.
Meu pai apoiou-se na balaustrada de ferro, sua mão apertando a minha a ponto de me machucar.
E ordenou: “Não olha pra baixo!”
Foi o mesmo que mandar olhar. Dava pra ver as águas profundas cor de esmeralda, lá embaixo.
Nunca tinha visto o mar assim, de cima.
Era assustador! E lindo!

Transposta a ameaça e refeita do susto, passei a usufruir a belíssima paisagem e a leve brisa que nos acompanhava na travessia.
Meu pai me arrastando: “Anda, Norma!”

Caminhamos até a casa da minha avó nas proximidades da Igreja Matriz.
É um bom trecho e, para mais ajudar, não passou um único ônibus por nós.
Resultado: eu perdi a escola e o meu pai o dia de trabalho já que ele ainda teria que arranjar alguém para rebocar o carro e levá-lo para a oficina.
Isso a pé, coitado.
Hoje a gente resolve tudo pelo celular e ainda reclama.

No dia seguinte levei uma anotação para a escola explicando o motivo da minha ausência.
Diante da turma, a professora quis saber o que havia acontecido e eu contei a aventura com todos os detalhes.
Principalmente como quase caí da Ponte Hercílio Luz ao pisar numa tábua solta, ficando com uma perna pendurada pra baixo. Sorte que o meu pai me segurou! Não fosse por ele…

* Do livro “Cenas Urbanas e Outras Nem Tanto”

(As imagens são de autores desconhecidos, da coleção do grupo do Facebook Desterro Antesdonte)

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Uma antiga história de amor no Piano Bar do Hotel Royal, no Centro – Um conto de Norma Bruno

Hotel Royal*

Por Norma Bruno
Alfredo amanhecera com uma emoção sombria, talvez pelo acúmulo das três noites mal dormidas.
Por mais que tentasse, não conseguira explicação para a angústia que o acompanhava nos últimos dias, até que abriu o jornal O Estado naquela manhã.
Abandonando um café pela metade, dirigiu-se ao seu quarto de viúvo. Passou o dia deitado, olhando o teto. No fim da tarde tomou um banho demorado e vestiu-se a caráter, porque a situação o exigia. Na saída rasgou a página do jornal e guardou-a, cuidadosamente dobrada, no bolso do paletó.

Ganhou a rua. Mal deu os primeiros passos e avistou-a a de pleno. Ela caminhou em sua direção, mas não o viu, passando ao largo. Tinha no rosto um meio-sorriso, como se pensasse uma saliência. Ele se voltou e ficou a observá-la, até que ela sumiu, dobrando a rua. Teria vinte anos, um pouco mais, talvez. Nunca mais a encontrou, até que, para sua surpresa, ela veio morar na vizinhança.

O encontro diário era inevitável, a casa da moça colada à sua. Bastava ir ao quintal ou fazer alguma volta na rua para vê-la entrando e saindo de casa ou avistá-la em movimento pela sala, a visão favorecida pela janela sem cortina e o muro baixo.
A possibilidade do encontro no portão o transformou em pontualíssimo, uma qualidade insuspeitada por quem o conhecia.

Foto do livro ‘Florianópolis: uma viagem no tempo (2004)’, de Beto Abreu

Com o tempo soube que trabalhava no Hotel Royal e que era noiva de um piloto da Cruzeiro do Sul, que a visitava quando permitia a escala do voo, já que residia no Rio de Janeiro. Desse dia em diante passou a frequentar o Piano Bar do hotel apenas para vê-la.
Na entrada, a menos que ela estivesse ocupada, comentava alguma amenidade ou cumprimentava-a de longe, seguindo para o salão.

Ocupava sempre a mesma mesa, próxima à janela de modo a observá-la discretamente, enquanto ela atendia os hóspedes no balcão. No início do mês dava-se ao luxo de pedir um ‘filé com fritas’; da outra metade em diante um drinque – Hi-fi -, atento ao som do piano, magistralmente tocado por Mirandinha, o pianista-mor da cidade, que abrilhantava o fim de tarde dos hóspedes do Hotel Royal.

Saguão do Hotel Royal (Acervo Mário Regueira)

Iniciava com uma seleção consagrada do blues e do jazz, depois abria espaço para os pedidos que incluía os clássicos americanos – New York, New York; Smoked get in your yes; Only you -, e também muita Bossa Nova, o ritmo que vinha revolucionando a música brasileira.

De quando em quando Alfredo arriscava um pedido, sempre a mesma música, um recado sutil para Carmélia, mais ia embora antes dela para não denunciar o interesse. Cumprimentava-a de longe e ia para casa remoem orando sua imagem, o cigarro apagado entre os dedos e o som seco do Zippo abrino e fechando, marcando seus passos. Sua lembrança o assaltava diversas vezes durante o dia.

Certa noite, ao sair, percebeu a ausência de Carmélia, por isso ficou surpreso quando a encontrou parada, a silhueta iluminada pelo imenso lustre de cristal, no saguão do hotel. Mais surpreso ficou quando ela disse que estava à sua espera e, com uma graça toda feminina, confessou que mentira ao gerente, pedindo para sair mais cedo, alegando dor de cabeça.

Postal da década de 1960, publicada por Carlos Damião, no ND, em 2015

Ele insistiu que tomassem um carro de praça até em casa, mas ela disse que preferia ir caminhando, se ele não se importasse. Lado a lado, passos contidos para esticar o tempo, subiram a Praça XV passando em frente ao prédio do Banco INCO. Do andar superior ainda sobrevinha, como uma alucinação, uma voz que imitava o inigualável Cauby Peixoto no extinto e popularíssimo programa de auditório da Rádio Diário da Manhã.

Subindo a Rua dos Ilhéus, passaram pelo Teatro Álvaro de Carvalho, cortando a Praça Pereira Oliveira em direção à Chácara da Espanha. Antes, demoraram-se diante do cartaz que anunciava para breve um espetáculo com a Companhia de Teatro Procópio Ferreira. Caminhavam vagarosamente, conversando sobre um tema qualquer, o assunto um mero pretexto para os entreolhares sorridentes, um tocando de leve o braço do outro com a desculpa de enfatizar o que ia ser dito. (Ela não mencionou o nome do noivo, nem ele o da noiva, apesar das alianças).

Por fim chegaram ao seu destino. Ainda tinham assunto, por isso quedaram-se um pouco mais no portão, sob a luz de um poste da ELFFA, a Empresa de Luz e Força da Cidade. Mas a conversa ficou para outro dia, pois a mãe, zelosa da reputação da filha, gritara lá de dentro para que ela entrasse. Três vezes.

Os encontros noturnos tornaram-se frequentes, só que agora era ele quem esperava. Conversavam e riam à toa pelas ruas, entretidos, absortos, apartados do mundo. Quando chovia, tomavam um carro-de-cavalo. Falavam sobre os filmes em cartaz no Cine São José, no Cine Roxy, no Cine Ritz, recomendavam-se músicas, compartilhavam passagens da infância¸ falavam do trabalho e dos sonhos, descobrindo e construindo afinidades.

Alfredo fantasiava uma liberdade inexistente, a ponto de convidá-la para a tradicional Soirée de Inverno do Lira Tênis Clube, logo ele que nem sabia dançar. A mãe disse que não ficava bem.

Numa manhã de sábado a realidade bateu palmas no portão da casa, ele ouviu. Era Carmélia, com um envelope não mão.
– É dele, ela disse. – Está vindo me buscar…

Alfredo nada disse, apenas baixou o olhar, o silêncio erguendo um mundo entre os dois. Dias depois ele percebeu o pequeno envelope introduzido por baixio da porta da sala de visitas.
Reconheceu a letra feminina que dizia: – Parto amanhã. O avião sai às 16 hs.

Dava para ouvir o alvoroço da mãe e do irmão mais velho na despedida de Carmélia. Contrariando os antigos planos, casaria por lá. Alfredo ficou atrás da porta, à escuta, a mão sobre a maçaneta, mas o gesto não se cumpriu.

Muitos anos se passaram desde aquele dia. Ela nunca retornou à cidade. A operação na vesícula, suas pequenas conquistas, as notícias chegavam através do irmão mais velho, que agora cuidava da mãe, a saúde cada dia mais frágil.

Alfredo vibrou ao saber que Carmélia, afinal, abriu o tão sonhado ateliê de costura e que, ao contrário dele, tivera muitos filhos, naturais e adotivos; sabia seus nomes e datas de nascimento. Que enviuvou ainda jovem. Anos depois ele também enviuvou; então decidiu procurá-la. Por ele, aquela história recomeçaria do ponto exato em que parou.

Decidido enviou-lhe uma carta, propondo um encontro para breve. A carta dizia: se ela não o tivesse esquecido, que o encontrasse dia tal, a tal hora, em tal lugar.
Alfredo chegou cedo e saiu muito depois da hora marcada, mas ela não apareceu. Antes de retornar à Florianópolis, deu o endereço ao taxista, pedindo que parasse um instante na porta do prédio em que ela morava.

Por algum tempo ficou a observar as cortinas brancas voejando pela grande janela entreaberta. Relembrou o pedido de um gesto que ela fizera ao partir – saber que aquela seria a última vez que a via teria mudado alguma coisa? Nesse instante alguém cerrou as janelas, devolvendo-o à realidade. Voltou à Ilha e à sua previsível vida de viúvo e aposentado.

Da viagem ao Rio até a manhã daquele dia, passaram exatos sete anos sem uma única notícia de Carmélia. Já não havia tempo para recomeços, advertia a nota do jornal. Daí o olhar perdido, o café abandonado pela metade, o banho demorado, a melhor roupa e o andar lento pelas ruas assaltado pela lembrança do momento em que a viu pela primeira vez, há mais de quarenta anos. Quando se deu conta, estava diante do Hotel Royal. Decidiu entrar, dirigindo-se ao Piano Bar (isso ainda existe?).

No salão totalmente remodelado, um grupo de executivos comemorava alguma coisa num happy-hour barulhento. Alfredo aguardou que vagasse a mesa próxima à janela e então sentou, como o fazia, de modo a observá-la atendendo os hóspedes.

Chamou o garçom e pediu um Hi-fi, distraído do seu anacronismo.
O rapaz, bem treinado, esclareceu que a bebida não constava no cardápio, mas que o bar tinha uma excelente carta de vinhos nacionais e importados, além de cervejas artesanais, uísque, espumantes, vodcas, tequilas… Ele fez que não, algo irritado, voltando-se para a janela onde as luzes começavam a destacar a Ponte Hercílio Luz contra o céu escuro.

Observando que já não se via o facho de luz azul do aeroporto percorrendo o céu da cidade, foi despertado pela música. O som não vinha do piano, como outrora, mas de um desses modernos equipamentos eletrônicos que desempregam uma orquestra inteira.

O cantor era competente, ainda que o repertório não fosse do seu agrado. Com certa dificuldade, Alfredo levantou e, dirigindo-se ao músico, pediu: – Play it again, Sam?

Hamilton já estava acostumado. Depois do terceiro copo todo pianista vira Sam aos olhos de um freguês apaixonado.
Esquecendo o velho e remetendo às suas próprias lembranças, no fundo ele ansiava por esse momento, Sam dedilhou com maestria: Eu sei que vou te amar…

Da rua o que se ouvia era uma linda canção de amor, entrecortada pelo tilintar dos pratos e talheres sendo recolhidos da mesa do Piano Bar.

* Este conto faz parte do livro “Cenas urbanas e outras nem tanto” (Norma Bruno, Bernúncia Editora, 2012)

— Conheça a trajetória de Norma Bruno

Novas narrativas – No aniversário da Capital, quatro ‘grandes’ da cidade se juntam ao time do Floripa Centro

Neste 23 de março de 2021, aniversário da cidade, o Floripa Centro está lançando uma nova sessão, chamada ‘Narrativas do Centro’.
Nela, serão publicados textos de diversos gêneros, sempre com foco na região central da cidade.

Haverá crônicas de Sérgio da Costa Ramos, contos e cenas urbanas com Norma Bruno, poesias de Chiko Kuneski e fotos de Tasso Scherer.

Assim, todos os finais de semana o leitor do Floripa Centro poderá apreciar as fantásticas produções destes consagrados comunicadores.

Cada um deles terá seu trabalho publicado uma vez por mês.
No ‘lançamento’ do espaço, neste aniversário de Florianópolis, haverá uma obra de cada um dos quatro autores.

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Norma Bruno - Minha história

Norma Bruno – Minha história

Norma Bruno é ilhoa, nascida no Bairro Saco dos Limões, na metade do século passado. Graduada em História, publicou seu primeiro livro aos 50 anos.
Hoje, tem cinco livros publicados sendo dois de crônicas, dois de poesia e um de memória.

Atualmente, se dedica a uma extensa pesquisa sobre a memória do Centro de Florianópolis.

Nas horas livres é bordadeira, coleciona rendas de bilro e revistas antigas.

E, como ela diz, inventa coisas e histórias.

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