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Por Norma Bruno*
Até os sete anos morei num lindo chalé no bairro Saco dos Limões, na Ilha.
Ao entrar em idade escolar – sou do tempo em que não havia “jardinzinho” -, minha mãe inventou de me matricular no Colégio Nossa Senhora de Fátima, localizado perto da casa da minha avó, no Estreito, parte continental da cidade.
(Anos depois ela confessou tratar-se de uma estratégia para se mudar pra perto da mãe).

Daí então que, dos sete aos nove anos, e de segunda a sexta, eu morava na casa da Vó Chica. Nos finais de semana voltava para minha casa.
Meu pai me pegava nas sextas-feiras, depois do trabalho, e me trazia de volta no domingo à tardinha.
Nesse dia, minha mãe e meus dois irmãos vinham também aproveitando para dar uma “voltinha” no nosso velho carro Hillman, de cor creme.

Certo dia, não sei porque cargas d’água, meu pai não pode me levar no domingo. Saímos então na segunda-feira bem cedinho para que ele pudesse ir até o Estreito me deixar e ainda retornar a tempo de cumprir o expediente na Rádio Diário da Manhã.

Deu tudo errado. Mal entramos na Ponte, o Hillmann, que de vez em quando nos deixava na mão, começou a engripar.
Em cima da Ponte, pensa!

Meu pai encostou o carro e abriu o capô para ver o que podia fazer, mas não descobriu o defeito. Dois moços que caminhavam pela lateral da Ponte empurraram o carro de ré até a cabeceira insular, que estava mais próxima.
Eu, dentro do carro, morrendo de medo, sem entender coisa alguma.

A Ponte ainda tinha o assoalho de madeira, os trilhos, do projeto original.

Se saísse do trilho, o veículo teria que continuar assim até o fim, sob pena de tombar. Era o que se dizia.

Meu pai estacionou o Hillmann no Belvedere que existe na cabeceira insular, mandou que eu pegasse minhas coisas e saísse do carro.
Obedeci sem coragem de perguntar o que viria a seguir: meu pai ficava muito nervoso nessas horas.
Ele me pegou pela mão e caminhou em direção à Ponte. Entrou decidido na passarela lateral. Eu entrei porque não tinha escolha.

A passarela era feita de mourões enfileirados numa distância de cinco, sete centímetros, espaço que aos meus olhos de criança se alargava.
Eu titubeava e meu pai me segurava ainda mais firme. De repente, parou.

À nossa frente um trecho onde faltavam duas ou três tábuas alternadas (já naquela época a Hercílio Luz era tratada com descuido) era preciso pisar com atenção.
Meu pai apoiou-se na balaustrada de ferro, sua mão apertando a minha a ponto de me machucar.
E ordenou: “Não olha pra baixo!”
Foi o mesmo que mandar olhar. Dava pra ver as águas profundas cor de esmeralda, lá embaixo.
Nunca tinha visto o mar assim, de cima.
Era assustador! E lindo!

Transposta a ameaça e refeita do susto, passei a usufruir a belíssima paisagem e a leve brisa que nos acompanhava na travessia.
Meu pai me arrastando: “Anda, Norma!”

Caminhamos até a casa da minha avó nas proximidades da Igreja Matriz.
É um bom trecho e, para mais ajudar, não passou um único ônibus por nós.
Resultado: eu perdi a escola e o meu pai o dia de trabalho já que ele ainda teria que arranjar alguém para rebocar o carro e levá-lo para a oficina.
Isso a pé, coitado.
Hoje a gente resolve tudo pelo celular e ainda reclama.

No dia seguinte levei uma anotação para a escola explicando o motivo da minha ausência.
Diante da turma, a professora quis saber o que havia acontecido e eu contei a aventura com todos os detalhes.
Principalmente como quase caí da Ponte Hercílio Luz ao pisar numa tábua solta, ficando com uma perna pendurada pra baixo. Sorte que o meu pai me segurou! Não fosse por ele…

* Do livro “Cenas Urbanas e Outras Nem Tanto”

(As imagens são de autores desconhecidos, da coleção do grupo do Facebook Desterro Antesdonte)

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