A impactante história dos irmãos que fugiram das bombas na Síria para vender comida árabe no Centro

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Por Frutuoso Oliveira

Esses dois meninos simpáticos que escondem os sorrisos atrás das máscaras são Ayman Bahbouh e Nemer Bahbouh.
Assim como tantos comerciantes do Centro de Florianópolis, e de outras cidades brasileiras que enfrentam a pandemia do coronavírus, eles estão peleando para sobreviver.

Mas a vida deles já foi muito mais difícil.
Ayman, Nemer e os demais familiares, todos simpáticos, que tenho dificuldade para escrever os nomes, são meus vizinhos.
Diariamente, me inspiro neles para não reclamar da vida.
O restaurante deles, o ‘Marina Comida Árabe’, na Rua Padre Roma, é logo depois da esquina com a Felipe Schmidt.

Desde que começou a pandemia, o movimento caiu mais de 50%.
Ninguém mais chega para comer os kaftas (não confundir com Kafka, aquele da barata gigante, como fez o ministro Abraham Weintraub), shawarmas ou babaganoush.
As pessoas andam rápido. Querem chegar logo em casa e o movimento caiu.

Mas Ayman e Nemer são resilientes.
Apesar de jovens, eles já passaram por coisas muito piores.
Não será esse momento que vai colocá-los por terra.
Em 2010, o Oriente estava agitado com a Primavera Árabe.
Nemer tinha 19 anos e Ayman, 15.
Viviam uma vida normal em Al Nabck, uma cidade próxima a Damasco.

Nemer foi para o exército, como fazia a maioria dos jovens de sua idade.
Ayman ficou vivendo sua vida de adolescente, como em qualquer outro lugar do mundo.
Muita gente na Síria estava de saco cheio com o regime de Bashar al-Assad.
Mas a família Bahbouh não tinha nada a ver com isso.
“Nós só queríamos o bem de todo mundo. A gente não se metia em política”, conta Ayman.

Estava tudo normal, até que em um dia qualquer de 2011, na cidade de Daraa, um menino de 15 anos resolveu pichar no muro da escola uma frase em árabe, que traduzido para o português, quer dizer mais ou menos “agora é sua vez doutor”, referindo-se a Bashar al-Assad.

O menino foi torturado e morto. Isso desencadeou a guerra da Síria.
Até quem não tinha nada a ver com história entrou no rolo.
“O Brasil é muito bom. Vejo vocês fazendo manifestações contra o presidente. Lá a gente não podia sequer falar o nome do presidente”, lembra Ayman.
No exército, um dia Nemer subiu em um caminhão e foi para uma cidade chamada Homs.
“Íamos rindo, entre amigos. Quando chegamos lá, nos disseram que era para matar ou morrer”.
Nemer correu. Correu muito.
Parecia o Forrest Gump.

“Acho que é uma distância do Centro de Florianópolis até Palhoça”, lembra.
Parou numa fábrica de cimento. O dono deixou ele se abrigar no sótão, um criadouro de pombos. Era Inverno. Lá permaneceu por 18 dias, comendo o que o dono da casa lhe entregava uma vez ao dia.
“Era tão frio, mas tão frio, que cheguei a me aquecer no cocô dos pombos”, conta.
Quando as coisas se acalmaram, saiu para a rua.
Voltou a encontrar seus colegas do exército. A maioria havia desaparecido. Até hoje não sabe se morreram ou desertaram em busca de vida melhor.
Depois disso, foram mais seis meses dormindo sobre pontes, junto com soldados do exército, até voltar para casa.
“A gente nem sabia direito contra quem estava guerreando”, recorda.
Quando voltou para Al Nabck, seu pai achou que ele deveria sair da Síria. Entregou-lhe um dinheiro.
Foi para Omã, no Jordânia, e de lá ganhou o mundo até chegar a Florianópolis.

Mas enquanto Nemer tentava achar um lugar para tocar a vida, em Al Nabck as coisas só pioravam.
“Não éramos nem de um lado e nem de outro, mas sofremos muito”, afirma Ayman.
A família passou a viver no subsolo da casa para escapar das bombas, jogadas pelos aviões do exército sírio.
“Sabe o que é você ter dinheiro em casa e não ter o que comer, por não ter onde comprar?”, fala Ayman, lembrando que por muitos dias o pão sírio seco, amaciado na água, era a única alimentação.

Foram cinco anos de sofrimento até que conseguiram sair para a Arábia Saudita e depois ganharam o mundo.

Os irmãos reencontraram-se no Brasil.
Hoje, são felizes em Florianópolis.
Trabalham duro para vencer as adversidades e o coronavírus.

Enquanto, muitas vezes reclamamos porque nosso faturamento baixou ou porque estamos em casa, eles celebram a vida.
Vida com liberdade, que encontraram nesse país maravilhoso que é o Brasil.
Vida longa ao ‘Marina Comida Árabe’.
Vida longa à família Bahbouh, que encontrou no Brasil seu refúgio seguro.
Sou feliz em tê-los como amigos.

(Além do belo texto, a foto também é de Frutuoso Oliveira)

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