Bairro da Figueira, no Centro – O território negro, ao lado do antigo porto, onde nasceu o Figueirense
Por Billy Culleton
Desde o século 18, e até a década de 1940, a região Oeste do Centro de Florianópolis era ocupada por famílias pobres, majoritariamente, de ascendência africana.
Era o popular Bairro da Figueira, uma área retangular que se estendia paralela à orla do mar: desde o Mercado Público Municipal até quase a cabeceira insular da Ponte Hercílio Luz, tendo como limite a Rua Felipe Schmidt – ou seja, a largura de três ruas.As vulneráveis e insalubres moradias dividiam o território com estaleiros, armazéns e trapiches, além de comércios e hotéis.
No bairro, tudo girava em torno do porto, localizado ao lado.
Por isso, também existiam inúmeras casas de prostituição, frequentadas, principalmente, por marinheiros.
Alheias à má-fama do bairro, famílias carentes ali se estabeleceram formando um núcleo de trabalhadores do mar e de mão de obra para desempenhar diferentes afazeres, necessários ao cotidiano da cidade, segundo mostra a pesquisa do professor Paulino de Jesus Francisco Cardoso, do Departamento de História da Udesc.
Ele é o autor da obra “Cidadania e expectativas no bairro da Figueira: o surgimento do Figueirense Foot-Ball Club”, publicada em 2016.
Nasce o clube do povo
Foi nesse contexto que, em 1921, comerciantes e outras figuras conhecidas do bairro idealizaram a criação do Figueirense Foot-Ball Club, um dos clubes mais populares de Santa Catarina.
A ‘turma’ costumava se reunir na barbearia de Jorge Albino Ramos, no início da Rua Padre Roma, para conversas e aspirações sobre futebol.
Depois de meses de planejamento, um grupo liderado pelo próprio Jorge Ramos e também composto por Trajano Margarida, João Savas Siridakis, Domingos Joaquim Veloso e Ulisses Carlos Tolentino, agendou para 12 de junho de 1921, o encontro decisivo para a fundação da agremiação esportiva.
Foi Tolentino quem cedeu a sua residência que ficava “ali próximo da barbearia, exatamente na rua Padre Roma, número 27, para fazer a tão anunciada reunião”, como informa a pesquisa do professor Cardoso.
Siridakis, mais conhecido como Janga, defendeu a ideia de que o clube deveria chamar-se Figueirense e contou com o apoio dos demais participantes do encontro.
Escolheu o nome em razão da figueira existente na zona do cais Rita Maria, origem da denominação do bairro.
E a figueira?
A árvore original cresceu num morro existente atrás do atual Posto Rita Maria, que já foi uma pedreira, e onde agora existem dois grandes edifícios residenciais.
A figueira ficava 150 metros acima do local da fundação do clube, na Rua Padre Roma, 27.
Hoje, existem algumas árvores que trazem a lembrança da flora original do bairro.
Um delas se encontra no Parque da Luz, a 200 metros da figueira original.
Confira a imagem:
Qual era a Rua da Figueira?
No bairro também existia a Rua da Figueira, que consta em documentos de 1876.
Mais tarde chamou-se Fraternidade, depois Cais Igualdade, para se transformar na atual Francisco Tolentino (homenagem ao jornalista e deputado, nascido em São José, e que morreu em 1904).
Como localizamos o antigo Nº 27 da Rua Padre Roma?
O Nº 27 da Padre Roma aparece na pesquisa do professor da Udesc Paulino Cardoso.
A rua começa na frente da Rodoviária.
Após o Posto Rita Maria, tem um estacionamento e, na sequência, a tradicional Serralheria Cardoso, que funciona há mais de meio século.
Os funcionários deste comércio, que hoje tem o número 86, informaram ao Floripa Centro que antigamente ali era o número 17.
Quando mostramos a foto da residência de Ulisses Tolentino, onde foi a fundação do Figueirense e que consta no site do clube, os trabalhadores da loja foram unânimes em afirmar:
“Era ali na frente, onde agora tem aquela loja de celulares. Era a casa de uma senhora e que foi derrubada faz uns 25 anos. Ela tinha um filho, meio deficiente, que ficava sempre olhando o movimento nessa janela que aparece na foto”.
Atualmente, a loja de celulares é o Nº 119 da Padre Roma.
E o Bairro da Figueira?
O bairro, local de marcante presença africana e de seus descendentes, extinguiu-se como território negro nos anos de 1940, quando a cidade estava sendo transformada numa capital que deveria seguir ‘os rumos do progresso’, segundo as aspirações das elites locais.
De acordo com a obra “Cidadania e expectativas no bairro da Figueira...”, a região central passara a ser espaço da administração pública, dos comércios estabelecidos e da prestação de serviços.
Assim, as classes populares tiveram que reconstruir suas vidas nas regiões periféricas da cidade, nos contornos dos morros ou em áreas mais afastadas do perímetro central.
Área cheirava a alcatrão
O pesquisador da Udesc Paulino Cardoso traça o perfil dos moradores do bairro.
“Aquela pequena região, com centenas de marinheiros, praças da Marinha de Guerra, estivadores e tantos outros populares, sugeria um cenário espantoso para as elites do período, visto agrupar muitos populares de origem africana”, escreve ele.
“Soldados, marinheiros, estivadores, criados, policiais, calafates, carpinteiros, vadios de todas as ordens pareciam adorar aquele bairro à beira-mar, que segundo Virgílio Várzea, cheirava a alcatrão”.
Tais personagens constituíam, segundo Cardoso, grupos sem vínculo com as elites locais, sendo que “soldados de diferentes corpos militares, imperiais marinheiros, homens do mar de todo o tipo, estivadores e outros trabalhadores urbanos viviam a protagonizar inúmeras rusgas nas áreas centrais da cidade”.
“Muitas populações de origem africana destas regiões mais pobres, além de seus labores cotidianos, passaram a ver no clube de futebol nascido no bairro da Figueira, uma opção positiva para uma região tão malvista pelas elites dirigentes. Alinhava-se uma identificação com um time que surgira naquela área e fora organizado por homens das fainas do mar, dos trabalhos nas ruas, nas barbearias, dos sonhos em comum”, diz o texto do pesquisador da Udesc.
—- Confira, aqui, mais sobre a história do Figueirense
(A imagem de abertura é acervo da Casa da Memória)
Histórias inéditas da Florianópolis antiga – 1800-1900_reduce2
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