Detido em SC – Morre repressor argentino que participou do assassinato de Tenorinho, pianista de Vinícius

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Por Billy Culleton
“Que Deus me perdoe e me leve logo”.
A frase era repetida com frequência por Cláudio Vallejos no hospital onde tratava um câncer que causou a sua morte, esta semana, em Misiones, na fronteira argentina com Santa Catarina, informou o jornal El Território, nesta segunda-feira, 14.

Atuando ativamente nas forças armadas do vizinho país desde 1976, ele reconheceu ter matado ao menos 30 pessoas, além de participar de dezenas de sequestros e sessões de tortura contra opositores do regime militar (1976-1983).

Com o retorno à democracia, fugiu para Santa Catarina e sobrevivia cometendo pequenos delitos nas cidades de São Miguel do Oeste, Xaxim, Abelardo Luz, Faxinal dos Guedes, Dionísio Cerqueira, Aguas Frias, Bom Jesus e Ouro Verde, segundo publicou o jornal Página 12.

Tenorinho confundido com subversivo
Entre os crimes de maior repercussão encontra-se o sequestro e desaparecimento do pianista brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Júnior, Tenorinho, em 18 de março de 1976.

Em entrevista exclusiva a este repórter, em 28 de março de 2013, Vallejos confessou ter participado do sequestro do artista, que acompanhava Vinícius de Moraes e Toquinho numa turnê em Buenos Aires.
“Sim, eu participei da detenção de Tenorinho”, afirmou, no Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis, momentos antes de embarcar para Argentina.
Ele estava sendo extraditado após um pedido das autoridades do vizinho país, para ser julgado por seus crimes.

Vallejos no Aeroporto de Florianópolis, em 2013, falou com Billy Culleton sobre seus crimes (Foto de Carlos Kilian)

Algemado junto a dois policiais federais que o custodiavam, Vallejos acrescentou que o sequestro do pianista foi feito junto com o capitão da Marinha Alfredo Astiz, o mais conhecido torturador argentino.

Aparentando tranquilidade, ele detalhou que o pianista foi capturado como suspeito.
Seu longo cabelo e aparência desleixada colaboraram para confundi-lo com um “subversivo”.
Ele saiu à noite, do hotel no Centro da capital argentina, para comprar cigarro e nunca mais foi visto.

“Tenório foi levado pelo grupo e depois não sei o que fizeram com ele”, disse, gabando-se que, na época, tinha 18 anos e já participava dessas operações com militares de alto escalão.
Ele considerava ter sido “o mais jovem espião do mundo”.

Na pista do Hercílio Luz instantes antes de embarcar para Buenos Aires (Carlos Kilian)

Na fachada do Hotel Normandie, onde estava hospedado o pianista, foi colocada uma placa em sua homenagem, que diz:
“FRANCISCO TENORIO CERQUEIRA JÚNIOR, TENORINHO
Aqui se hospedó en su última visita a Buenos Aires este brillante músico brasileño de Toquinho y Vinícius.
Luego víctima de la dictadura militar.
(1941-1976).
Homenaje de la Legislatura de la Ciudad de Buenos Aires”

Detalhe da placa instalada pela Câmara de Vereadores de Buenos Aires (Google Street)

O corpo de Tenorinho, que completaria 80 anos em 4 de julho de 2021, jamais foi encontrado.

Crime dos Palotinos
Em 4 de julho de 1976, mais um massacre que sacudiu a Argentina teve a participação de Cláudio Vallejos.
Três sacerdotes e dois seminaristas da congregação palotina foram assassinados de madrugada dentro da residência, ao lado da Igreja São Patrício, no Centro de Buenos Aires.

Anos depois, durante o julgamento de militares, ele foi apontado como sendo o motorista dos agentes das forças armadas que executaram o crime.

Os cinco religiosos assassinados com a participação de Vallejos (Twitter Palotino)

Mas, na entrevista em Florianópolis, em 2013, ele negou.
“Isso é mentira. Na época, eu estava nos Estados Unidos fazendo um curso na CIA”.

Prisão em Santa Catarina
Na década de 1980, Vallejos deu diversas entrevistas para revistas e jornais no Brasil, reconhecendo participação em vários crimes, realizados durante a ditadura na Argentina.

Em março de 2012, o Centro de Estudos Legais e Sociais do país vizinho (Cels), junto com a “Comissão de Direitos Humanos e Justiça, do Brasil”, solicitou a extradição do Vallejos, que estava preso no Oeste de Santa Catarina.
O pedido foi concedido, em maio de 2012, pelo Supremo Tribunal Federal.
Na época, o caso teve ampla repercussão no Brasil por envolver a morte de Tenorinho.

Condena e nova fuga
Na Argentina, mais de três décadas depois dos crimes, foi a julgamento e acabou condenado por sua participação no sequestro, tortura e assassinato de dezenas de ‘subversivos’.

Esteve no cárcere durante cinco anos até receber o benefício de prisão domiciliar, que não cumpria.
Há três anos se mudou para Bernardo de Irigoyen, divisa com Dionísio Cerqueira (SC), onde morreu como indigente, sozinho e abandonado por todos, neste domingo, 13, como atesta o jornal El Territorio.
Aos 63 anos, após uma vida de crimes ‘quase imperdoáveis’, ele só pedia e almejava a misericórdia divina.

(A foto de abertura é de Carlos Kilian)

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