As emanações vindas do mar no Centro de Floripa
Por Sérgio da Costa Ramos
Há certos aromas que provocam uma comichão de nostalgia. O cheiro de “mar”, por exemplo.
Vinha da Baía Sul e do Miramar, subia a figueira e só se dissolvia lá pelo coreto do Jardim Oliveira Bello, já na ante-sala da Catedral.
O odor que hoje emana de Floripa é o mesmo dióxido de carbono que se desprende de toda a cidade poluída, dominada pelos motores dos bichos sobre rodas.
O cheiro de “bazar marinho” – como se estivéssemos comendo uma ostra pelo cheiro – esvaiu-se por algum desvão do tempo e nunca mais será sentido.
Levaram o nosso mar pra longe e, com ele, a identidade da cidade velha, perfeitamente “respirável”, entre a Conselheiro Mafra (antiga Rua do Príncipe) e a Felipe Schmidt – que um dia se chamou Moinhos de Vento.
No coração da cidade, anos 1950, era possível sentir-se a maresia subindo a praça, como se as ostras da murada do Miramar quisessem se persignar diante da escultura da Madona e do Menino Jesus “fugindo do Egito” no lombo de um burro – emocionante altar da catedral.
Com o Hotel La Porta, inaugurado em 1932, a cidade conheceu o seu primeiro elevador. E o primeiro “bar de hotel”, onde, por alguma licença da imaginação, poderíamos ter flagrado um “vin d’honeur” entre o aviador romancista Saint-Exupéry e a atriz Ingrid Bergman – talvez na pré-estreia de Casablanca, ano de 1942.
Dois anos depois, o aviador se despediria da vida, voando entre a Ilha de Malta e Marselha, na sua última missão sobre as águas do Mediterrâneo, em julho de 1944.
E Ingrid Bergman deixaria de ser a “namoradinha do Mundo” para se transformar na “destruidora de lares” – e na glamurosa amante do invejado diretor Roberto Rosselini.
Começavam a surgir os primeiros prédios “altos” de Floripa. O do Ipase, em 1947. O do Hotel Lux, em 1951. O Palácio das Diretorias, em 1955. O Banco do Comércio, em 1959 – junto com outros dois hotéis, o Oscar e o Querência. Na Felipe Schmidt, florescia um modesto “Empire State” ilhéu, o “Edifício Zahia”…
De todo esse nostálgico décor, restam as sobrancelhas do Cambirela e as cabeleiras louras dos garapuvus em flor.
Resta, enfim, a comichão da nostalgia, em meio ao trânsito engarrafado e os “curativos” aplicados à nossa velha senhora, a ponte Hercílio Luz.
(Crônica publicada originalmente no Diário Catarinense, em 19/01/2019. Reproduzida com autorização do autor).
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