População negra no Centro – Estratégia higienista do século passado expulsa lavadeiras para os morros

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Há 100 anos, uma parte da região central da cidade era habitada por famílias pobres, majoritariamente, de ascendência africana.

Elas ocupavam o Bairro da Figueira, no entorno do Cais Rita Maria, uma área retangular que se estendia paralela à orla do mar: desde o Mercado Público até quase a cabeceira insular da Ponte Hercílio Luz, tendo como limite a Rua Felipe Schmidt.

A maioria dos homens exercia atividades relacionadas ao porto, enquanto as mulheres se dedicavam aos afazeres domésticos e se sustentavam lavando roupas nos córregos que cortavam o Centro, entre eles, o que nascia no Largo do Fagundes, ao lado das Lojas Americanas.

Bairro da Figueira, próximo à atual Rodoviária (Imagem de autoria desconhecida)

A partir da década de 1920, iniciou-se um projeto de modernização e urbanização da cidade que criou estratégias para ‘limpar’ e tornar o Centro mais ‘civilizado’, transformando-o num espaço para a administração pública, comércio formal e prestação de serviços.

Morro das Mulheres Negras
Uma parte dessas lavadeiras desalojadas da região central se estabeleceu no Morro Monte Serrat (acima da Avenida Mauro Ramos, na altura do IFSC), onde podiam continuar com a atividade, já que o local possuía vários córregos e fontes de água.

A afirmação é da antropóloga Cauane Maia que pesquisou profundamente a comunidade, no Maciço do Morro da Cruz, e transformou a sua dissertação de mestrado na UFSC no livro “Vozes negras em Florianópolis”.

A partir das vivências e experiências dos moradores, ela mostra o protagonismo da população negra, sobretudo das mulheres.
“Lá, identifiquei mulheres atuantes, lideranças femininas. É o Morro das Mulheres Negras e essa é a grande novidade do meu trabalho”.

Caminho que começava no Monte Serrat e cruzava o Morro da Cruz até a Trindade (Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de SC)

Seja em seus ofícios de lavadeira ou trabalhadoras domésticas para a elite, seja nos mutirões de construção da comunidade, as mulheres criaram formas de subsistência para suas famílias e são as maiores responsáveis pela viabilidade dos estudos de grande parte da comunidade.

Reportagem relacionada: Morro do Centro com caixa d’água desde 1910 só teve água encanada 70 anos depois

Mulher à frente da escola de samba
Atualmente, a comunidade do Monte Serrat é uma referência na luta antirracista e na organização comunitária.

Cauane Maia na frente da antiga caixa d’água do Monte Serrat (Divulgação)

Segundo a pesquisadora, as vozes da comunidade são, em grande medida, as vozes das mulheres negras.

“As mulheres estão no contexto de construção da comunidade, mas também no contexto de construção da capital catarinense. Elas aparecem durante todo o processo de formação da comunidade em papéis cruciais”, conta Cauane, que morou um semestre no bairro para se aproximar ainda mais dos moradores.
O livro recupera histórias de antigas moradoras, como Dona Uda, que assumiu a presidência da Embaixada Copa Lord em 1984, após a morte do marido, gestor da escola de samba.

A trajetória de Dona Uda é uma das que se misturam à formação da própria comunidade, por conta de sua atuação não só na Copa Lord, mas também na escola, na associação de mulheres, no conselho comunitário e na igreja local.

Lançamento do livro
O lançamento oficial do livro será em 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura.

Entre as ações criadas por Cauane para marcar este momento está o lançamento de um vídeo, gravado na própria comunidade.


No dia 5 de maio, também haverá uma live em parceria com o Portal Catarinas.
Cauane baterá um papo com a jornalista Paula Guimarães a partir das 19h, no Instagram (@cauanemaia)

O livro fa Editora Appris já está disponível em versão impressa e e-book.
A capa tem ilustração assinada pelo artista de Florianópolis Bruno Barbi.

(A foto de abertura é apenas ilustrativa e foi retirada do grupo do Facebook “Fotos antigas e atuais de Governador Valadares MG – Década de 40”)

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