“Primeira Missa no Brasil” – Na sua famosa tela, Victor Meirelles reproduziu o Morro da Cruz, em Florianópolis
Por Billy Culleton
Neste 26 de abril se completam 521 anos da primeira celebração religiosa cristã realizada no Brasil.
A cena foi eternizada por um dos mais famosos filhos de Desterro, Victor Meirelles, na obra “Primeira Missa no Brasil”.
Elaborada em Paris, entre 1858 e 1860, a tela buscou reproduzir o acontecido, na Bahia, apenas quatro dias depois da ‘descoberta’ do nosso território por Pedro Álvares Cabral.
Meirelles se baseou no relato de Pero Vaz de Caminha, em carta encaminhada ao rei português Dom Manuel I.
Nela, o escrivão conta, detalhadamente, todos os pormenores do ato litúrgico, mostrados fielmente pelo pintor desterrense: portugueses venerando a cruz e os nativos acompanhando a celebração, numa mistura de surpresa e admiração.
O que chama a atenção é que o local da missa, Coroa Vermelha (a 17 quilômetros de Porto Seguro) é uma praia sem nenhuma montanha por perto.
Na tela de Meirelles, no entanto, aparecem montes ao fundo.
E é aqui que entra a teoria que enche de orgulho os manezinhos: renomados especialistas de arte afirmam que as elevações são similares ao Morro do Antão, no Centro da Capital, atualmente mais conhecido como Morro da Cruz.
O respeitado diretor do Museu Nacional de Belas Artes, Alcides Mafra de Souza, sustentou essa hipótese ao falar da obra de Victor Meirelles, na década de 1980, enquanto estava à frente da entidade (1981-1990).
“Ao abordar o famoso quadro Primeira Missa no Brasil, ele mostrou, no slide, que um dos morros que aparecem ao fundo tem a mesma conformação morfológica do nosso Morro do Antão”, escreveu a professora da Udesc Sandra Makowiecky, no artigo “O tempo de Victor Meirelles e a cidade de Florianópolis”.
Grande estudioso da obra do pintor, Souza fala da profunda ligação de Meirelles com a cidade de Desterro, demonstrada em muitas de suas telas.
“Por imposição da carreira e da vida artística, muito teve que viver longe dela. No entanto, sempre a amou e, embora diretamente, muito pouco a houvesse registrado em sua obra, indiretamente mostrou-a na maioria de suas grandes composições”, escreveu o diretor do museu, no prefácio do livro ‘Victor Meirelles de Lima (1832-1903)’, de Angelo de Proença Rosa.
O entendimento de Souza sobre a ligação do pintor com a cidade, citado no artigo da professora da Udesc, continua:“Trouxe-a, sempre viva em sua memória – lembrança que aflora em quase toda a sua obra – recriada em cenários outros e que só mesmo os nascidos na ilha e familiarizados com seus belos aspectos percebem. São cantos de boniteza nunca vistos em outros lugares: nesgas de praia lambidas pelo mar ou pedaços de céu, onde esvoaçam passarinhos”.
Parafraseando o célebre historiador de arte Ernst Gombrich, a professora Sandra Makowiecky conclui: “O artista não pinta o que vê, mas o que sabe”.
Diretora do Museu Nacional reafirma ligação com Desterro
Para a diretora do Museu Nacional de Belas Artes, Mônica Xexéo, a paisagem da antiga Nossa Senhora do Desterro sempre esteve presente na memória de Victor Meirelles.
“A representação da paisagem sempre permeou seu imaginário, desde suas obras iniciais até a sua derradeira produção. Passando pela elaboração de sua emblemática obra “Primeira Missa no Brasil”, ícone da pintura brasileira, finalizando na realização dos três excepcionais Panoramas”, afirma ela, no artigo “Paisagem Catarinense – Imaginário Urbano”.
E assim, depois de 160 anos, descobrimos que uma parte de Florianópolis sempre esteve representada na mais famosa pintura brasileira da história graças à sutileza de Meirelles.
Meirelles e Desterro
Apresentamos, a seguir, um breve resumo da relação de Meirelles com sua cidade natal.
As informações são do Trabalho de Conclusão de Curso em História, da UFSC, escrito por Tayna Dalsasso, denominado “Paisagens Urbanas: um Olhar para Desterro através de Victor Meirelles”.
– Victor Meirelles Lima nasceu em Nossa Senhora do Desterro em 1832 e viveu em sua cidade natal até os 14 anos, idade na qual ingressou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
– Retornou poucas vezes a sua cidade, em algumas viagens de férias e visita aos familiares. Sabe-se que durante sua formação na academia ele esteve em Desterro nas férias escolares de 1849, 1850 e 1851.
– Costumava chegar na segunda semana de dezembro e voltava ao Rio de Janeiro nos primeiros dias de março do ano seguinte.
– Devido à datação e às técnicas aplicadas em suas obras, presume-se que tenha sido nessas viagens que o artista produziu a maior parte das ‘Vistas de Desterro’.
– Voltou também em janeiro de 1853 para se despedir da família antes da longa viagem de estudos na Itália e na França, onde pintou a Primeira Missa.
– Em 1861, foi o primeiro brasileiro a expor no Salão Oficial em Paris, onde apresentou a pintura “Primeira Missa no Brasil”, óleo sobre tela, que mede 270 x 357 cm e está exposto no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
– A sua última visita a Desterro, após seu retorno da Europa, foi noticiado pelo jornal O Argos, em 12 de outubro de 1862, de acordo com o historiador catarinense Osvaldo Rodrigues Cabral:
“O nosso talentoso e estimável patrício, o Sr. Victor Meirelles de Lima passou alguns dias em uma chácara, além do Estreito, e nesses sítios aprazíveis, onde a Natureza se ostenta risonha e majestosa, o ilustre Fídias catarinense pintou diversos quadros, cada qual mais belo e interessante, que seus amigos têm tido o prazer de apreciar”.
– Após servir ao Império e ser professor de desenho da Princesa Isabel, foi abandonado e discriminado pelos Republicanos e morreu pobre no Rio de Janeiro, em 1903.
(Esta reportagem foi feita a partir da pesquisa nas seguintes obras e artigos acadêmicos: “O tempo de Victor Meirelles e a cidade de Florianópolis”, “Paisagem Catarinense – Imaginário Urbano” e “Paisagens Urbanas: um Olhar para Desterro através de Victor Meirelles”).
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