Diário da Quarentena – Como chorar na beira da calçada se não podemos sair?

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Por Chiko Kuneski*

Vida virada
A rua está esquecida, solitária, triste
Um vácuo do nada, de tudo, vazia
Nem mesmo uma só vadia
Cadela, calada, e nem sexo

A rua perdeu seu nexo
Com todo mundo desconexo
Nem um vadio, vagabundo
Feito fantasma madrugador
Vagando penado pela rua, só vaga o mundo.

Este meu poema traduz o olhar do confinamento, isolamento social, quarentena, deem o nome que derem. Acabamos forçados e olhar o mundo pela janela… mas o mundo tem um só momento. Lento, estagnado.
Triste? Não sei. Acho que depende do que aprendermos com essa realidade da Terra parada.

O olhar envidraçado para as ruas do Centro, sem viva alma, sem alma, não é tão diferente daquele que dávamos caminhando nessas mesmas ruas.
Olhar para o nada. Correria, sem tempo, olhar para fantasmas, diurnos e noturnos, que só passavam como nos passávamos.
Na pressa da falta do tempo alegado, dificilmente víamos o da frente, o do lado.
Como nesse isolamento, nos isolávamos com a desculpa da falta de tempo, da vida moderna.

O que mudou ficando em casa a olhar as ruas sem nem almas?
Uma pergunta de muitas respostas.
Mas, com a certeza que todos mudamos.
Deixamos de ser meros mundanos, para dedicar mais tempo, agora sobrando, a nós mesmos.
Às coisas que sempre alegamos falta de tempo, mas que dizíamos querer realizar se a vida corrida deixasse.

O olhar pára no espelho, que antes era rápido e somente para arrumar a barba, o cabelo, passar batom, mirou nós mesmos.
Achou cabelos brancos nunca vistos, rugas sutis da vida que estava nos passando, como passávamos pelo espelho. Correndo contra nós. Não deixávamos o aço nos refletir; nem nos víamos.

Cada um usou a sua “sobra de tempo” como pode. Uns para rezar. Outros para reclamar. E, como eu, para deixar aflorar mais um talento engavetado na correria de um tempo que sempre corríamos atrás.
Voltei para a poesia. Ou ela, sutil, matreira, voltou para mim, para o tempo que nunca tinha.

Com a poesia, realizei projetos antigos, até de escrever músicas com um parceiro amigo. Criamos um canal no YouTube. Nem eu, nem ele, tínhamos tempos para nós mesmos.
Para nossos projetos de pura diversão.
Está sendo um tempo difícil? Inevitável.
Mas o segredo é voltar a ser senhor do tempo. Retomar o comando dele na vida.
Ou entendemos isso, em nosso próprio confinamento, ou sentamos na beira da calçada e choramos.
Mas nem podemos sair de casa para achar o meio-fio…

* Jornalista e poeta, morador do Centro.

(Se despertei curiosidade… CLIQUEM AQUI!)


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