Diário da Quarentena – Otimismo e esperança numa hora dessas?

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Por Rogério Kiefer *

Uma luz diferente e o início do Outono tornam os dias de abril e maio, de fato, os mais bonitos do ano em Florianópolis.
E a paisagem aqui no Centro comprova isso.
No feriado de Tiradentes, acordei cedo, escancarei a janela, senti nos cabelos o calor brando do sol, vi as árvores mais verdes, o Hospital de Caridade imponente, a Baía Sul com barquinhos do Martinelli.

A reação foi imediata. Bati a vidraça. Fechei a persiana. Empurrei o guarda-roupas para fechar a rota de acesso à janela antes de ser contaminado.

Otimismo e esperança a uma hora dessas?
Até pega mal.

Lembrei de uma vizinha, sábia senhora que esperava sempre o pior de qualquer indivíduo ou situação. Quando apareci diante dela com o primeiro brinco – o crucifixo pendurado em uma argola, inspirado no George Michael – foi enfática: “você, meu querido jovem, terá um futuro de fracassos e será motivo de vergonha para sua família”.

Tante Berta, como a chamávamos, distribuía sentenças desse tipo a torto e a direito – e comemorava cada vez que a rotina da vizinhança mostrava o acerto de um mau agouro.
“Isso até me entristece”, dizia sem muita sinceridade. “Mas prefiro ter razão a ser feliz”, completava, verdadeira.

Alguns fatos das últimas semanas reforçariam em Tante Berta a convicção de que é preciso esperar sempre o pior.
A corrida pelo papel higiênico. A invasão às farmácias para estocar Cloroquina, mesmo após o aviso de que o medicamento faria falta para pacientes com lúpus.
A tranquilidade no olhar de jovens que repetem e repetem que só os velhos morrem de Covid-19. Os discursos do presidente e as manifestações pró-AI5 na porta dos quartéis. Em geral, os pessimistas devem estar entusiasmados com as incontáveis oportunidades que permitem repetir o bordão predileto do sabichão: “Eu avisei”.

Mas, talvez, tudo não seja assim tão simples.
Freud explica – explica mesmo! – e pode pôr a pensar aqueles que acham que o humano é um projeto fracassado.
O homem é um animal. Diante do medo, da proximidade da morte ou para satisfazer seus instintos, ele comete certas insanidades e, muitas vezes, é egoísta e estúpido.

Agora a boa notícia. Os indivíduos, que na essência mudaram muito pouco desde que largaram o tacape, são domesticados.
A cultura, os costumes, muitos traduzidos em leis, e a vida em comunidade adestra o bicho. A sociedade é criação humana capaz de punir hábitos que nos envergonham e que serão abandonados pela maioria e validar comportamentos importantes para a evolução da espécie (curiosidade: esses gestos validados e repetidos geração após geração são os memes).

Em tempos de pandemia, quando alguns veem sinais da morte iminente em cada espirro, vale um pouco de tolerância. Um sujeito não está perdido para sempre por um pequeno deslize.

Os dias logo voltarão ao normal – e apenas os boçais ancestrais seguirão incapazes de pensar no outro e respeitar a comunidade, como acontece na maior parte do tempo.
Mas eles são minoria. A maioria, assim espero, está tentando fazer o melhor enquanto aguarda que a vida volte ao normal.

Otimismo e esperança a uma hora dessas?
Quem sabe…

* Jornalista e morador do Centro

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