A mirabolante tentativa dos alemães em transformar a Ilha de SC num país independente, com o apoio da Argentina

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Por Billy Culleton
Em 1827, a parte insular de Florianópolis foi objeto da ambição de um grupo de soldados alemães que prometiam criar a “República Germânica da Ilha de Santa Catarina”.

Com 424 km², seria um dos menores países do mundo, embora existam pelo menos outras 10 nações com território inferior ao da Ilha: entre elas, Malta, San Marino e Mônaco.

O plano obteve o apoio da Argentina, na época em conflito com o Brasil, na chamada Guerra Cisplatina.

O acordo para levar adiante a iniciativa foi assinado, em 3 de novembro de 1827, pelo governador de Buenos Aires Manuel Dorrego e dois mercenários alemães que atuavam no Brasil: Karl Anton Martin Hein e Friedrich Bawer.

Manuel Dorrego (E) governador de Buenos Aires na época da guerra pela posse do Uruguai (Acervo www.elhistoriador.com.ar)

Os germânicos diziam representar parte dos 4 mil soldados da Alemanha que prestavam serviço temporário ao império brasileiro.

Essa ‘multidão’ de mercenários alemães tinha sido arregimentada na Europa, entre 1823 e 1825, com a promessa de altos salários e tratamento diferenciado.

Imagem mostra os alemães vestidos como granadeiros ao serviço do Império Brasileiro (Acervo www.uol.com.br)

A realidade no país tropical, no entanto, mostrou-se diferente.

Os soldados alemães estavam insatisfeitos, amargurando uma vida dura, com pagamentos inferiores ao combinado.
Ao mesmo tempo, eram discriminados e tratados com rudeza pelos oficiais portugueses e brasileiros, como conta o escritor Nelson Adams Filho, no livro a “Maluca Viagem de Dom Pedro I pelo Sul do Brasil”.

Sabendo dessa indignação, os dois aventureiros alemães, radicados no Rio de Janeiro, vislumbraram a possibilidade de conseguir recursos junto ao governo de Buenos Aires, acenando com uma revolta dos batalhões de mercenários.

Navio trazendo milhares de imigrantes alemães ao Rio, muitos deles mercenários (Acervo blog Goguidia)

Governo argentino rejeita proposta
Apresentando-se como representantes dos militares alemães, em fins de 1826, conseguiram uma audiência com o presidente Bernardino Rivadavia para detalhar a proposta.

“O episódio seria pitoresco, se não fosse estarrecedor: apresentaram o plano mirabolante de conquistar a Ilha de Santa Catarina e nela proclamar uma república independente, com o apoio internacional da Argentina”, contou a escritora florianopolitana Leatrice Moellmann Pagani, no artigo “As migrações dos séculos XIX e XX – Parte I – Os alemães”, publicado na Revista dos Amigos do Arquivo Público do Estado de Santa Catarina.

O presidente argentino repeliu a proposta.

Novo responsável pela guerra aceita acordo
Mas pouco tempo depois a direção da guerra passou para o governador da Província de Buenos Aires, coronel Manuel Dorrego.

“Hein e Bawer renovaram a proposta e Dorrego, na ânsia de acabar a guerra, acreditou nos alemães, vislumbrando uma forma de enfraquecer moral e militarmente o Imperador Dom Pedro I e forçá-lo a aceitar negociações de paz”, afirmou o coronel Juvêncio Lemos, no livro de sua autoria “A Saga no Prata”.

“Batalha de Ituzaingó”, de José Wasth Rodrigues, mostra combate entre os militares dos dois países, em 1827 (Wikipedia)

Em fins de 1827, Dorrego convocou os dois mercenários, informando-os que navios argentinos estavam sendo preparados para recolher os alemães, que iriam se sublevar no Rio de Janeiro, e levá-los para Santa Catarina.

Mercenários preparam o ataque
Com essa informação, os alemães decidiram se separar: Hein permaneceria em Buenos Aires, encarregado de receber os recursos financeiros combinados, devendo seguir para o Rio de Janeiro junto com a esquadra vizinha que iria buscar as tropas rebeladas.

Bawer seguiria para a capital brasileira, com o objetivo de coordenar as providências locais.

Acampamento dos soldados do império durante a Guerra Cisplatina (Acervo site Fatos da História Mundial)

No Rio de Janeiro, ele fez alguns contatos com oficiais mercenários e ficou na expectativa de receber os recursos.
Esse dinheiro, porém, nunca chegou.

Frustrou-se, assim, o sonho dos alemães em criar a “República Germânica da Ilha de Santa Catarina”, que transformaria em germânicos os 18 mil açorianos que habitavam a Ilha naquela época.

Revolta dos mercenários no Rio
Mas de fato, a esperada revolta dos soldados-mercenários aconteceu no Rio de Janeiro, em 9 de junho de 1828.

Mas não teve nenhuma ligação com o plano de criar um novo país.

Os alemães do 2º Batalhão de Granadeiros se rebelaram contra o império, na chamada “Revolta dos Mercenários”.
O estopim foi o injusto, desumano e fatal castigo corporal aplicado em um soldado granadeiro alemão.

A seguir rebelou-se outra unidade de mercenários, o 3º Batalhão de Granadeiros.
O movimento foi sufocado pelo governo imperial, sendo que Bawer fugiu para Buenos Aires, pondo fim ao plano mirabolante.

Porto da cidade cobiçado por Inglaterra, em 1808 *
O historiador Laurentino Gomes, no seu livro 1808, conta que Dom João VI negociou a entrega do Porto de Santa Catarina à Inglaterra.

Segundo o historiador Melo Moraes, na véspera da partida (da comitiva imperial, rumo ao Brasil), em Lisboa, o representante britânico Lord Strangford teve uma reunião com o ministro Antônio de Araújo, na qual avisou que o almirante Sidney Smith só levantaria o bloqueio naval e permitiria a saída da esquadra portuguesa mediante as seguintes condições:
“A abertura dos portos do Brasil, a concorrência livre e reservada para a Inglaterra, marcando-lhe, desde logo, uma tarifa de direitos insignificante; e até que um dos portos do Brasil (o de Santa Catarina) fosse entregue à Inglaterra”.
Araújo teria reagido com irritação, mas o fato é que, com exceção do porto exclusivo em Santa Catarina, todas as exigências seriam atendidas depois da chegada ao Brasil.”

* Informação acrescentada em 15/3/21 por sugestão do leitor Esperidião Amin.

(Esta reportagem foi feita a partir de pesquisas nas seguintes obras: “As migrações dos séculos XIX e XX – Parte I – Os alemães”, “A Saga no Prata” e “A Maluca Viagem de Dom Pedro I pelo Sul do Brasil”. A imagem de abertura é a aquarela “Vista da Vila de Desterro” (1827), de Jean-Baptiste Debret, na obra ‘Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil’)

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