Diário da Quarentena – Coordenar 13 pessoas, cuidar dos pais, fazer rosquinhas e pintar os próprios cabelos
Por Maria José Baldessar*
Cada vez que alguém me pergunta o que tenho feito na quarentena, eu respondo: fico em casa sempre que posso.
Desde o dia 16 de março, quando a UFSC estabeleceu o sistema de home office, tenho ficado em casa, trabalhado muito – a gente trabalha mais, pois mistura as coisas do dia a dia (lavar roupa, cozinhar, limpar a casa) com o cotidiano de trabalho.
No meu caso, presido a Coperve (Comissão Permanente do Vestibular da UFSC), e tenho 13 servidores sob coordenação, que trabalham com tecnologia de informação, logística, coordenação pedagógica das provas etc.
Nos dias sem pandemia, depois do trabalho ou nos fins de semana, sairíamos com Zeca, meu companheiro, para colher goiabas no Parque da Luz, caminhar na Beira Mar, tomar uma cerveja no Centro, ver a feira nos sábados e domingos, assistir futebol na televisão e compartilhar uma garrafa de vinho junto com uma comida gostosa.
Nesses dias de pandemia, estou em casa com meu sobrinho Enrico, que preferiu vir para cá a ficar sozinho na casa dele.
Ele é estudante da UFSC e os pais são médicos, estão na linha de frente no combate ao coronavírus, e moram longe. Nossa rotina é dentro de casa.
Para enfrentar o dia a dia de trabalho em casa, tenho uma rotina.
Todo dia, às 8h da manhã, via Whatsapp, distribuo as tarefas para a equipe da Coperve e fico atenta aos chamados e questionamentos de cada um. Com eles, encerro o dia às 17h30.
Nas segundas-feiras, tenho reunião com o colegiado da gestão da UFSC (reitor e pró-reitores) por teleconferência pela manhã.
Nas terças à tarde, com as coordenações da Pró-reitoria de graduação.
Como oriento mestrado e doutorado em dois programas de pós-graduação, nos outros dias, programo conversas com alunos por vídeo-chamada, discuto o andamento das monografias, dissertações, teses e produção de textos.
Em alguns casos, encaminho para conversem uns com os outros, à distância, para resolver problemas e trocar ideias.
Em relação ao trabalho, o mais difícil nesse processo de isolamento social é a tomada de decisões.
Na vida familiar, a coisa é mais complicada. Meu companheiro está na Pinheira fazendo companhia para a mãe dele, que é grupo de risco.
Ficamos mais de 20 dias sem nos ver e falamos ao telefone uma vez por dia.
Como também tenho pai e mãe idosos (86 e 85 anos), e eles estão em quarentena em casa, ali em Capoeiras, nos sábados pela manhã vou para lá e fico até domingo: cozinho, converso e limpo a casa.
Para eles, a minha chegada é uma mudança na rotina e, por isso, tenho valorizado esse tempo.
Resumindo: nesses dias lindos de março e abril tenho trabalhado e cuidado de casas e pessoas.
Os desafios: a quarentena me desafiou a fazer receitas novas, como rosquinhas de polvilho azedo, e coisas inimagináveis como pintar o meu próprio cabelo.
Os medos: que uns romantizem de tal forma a quarentena e esqueçam que ela só é romântica para quem tem a geladeira cheia e a possibilidade de ler, escrever, cozinhar ou limpar a casa.
Que outros, levados pelo senso comum, acreditem que é só “uma coisa passageira” e que venham a enterrar familiares, amigos, conhecidos e desconhecidos sem “choro nem vela”.
E outros, levados pela necessidade extrema, se contaminem e morram sem assistência ou sem piedade.
* Jornalista e professora da UFSC
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