Envenenamento ou gripe? A misteriosa morte, em Florianópolis, do mais famoso flautista brasileiro, em 1907

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(Esta matéria foi feita com trechos textuais do artigo “Patápio Silva: trajetória do flautista interrompida em Florianópolis”, escrito pelo jornalista e historiador Maurício Oliveira, e que foi publicado, em 2013, no livro “História Diversa, africanos e afrodescendentes na Ilha de Santa Catarina”, da Editora UFSC)

O enterro do flautista Patápio Silva parou Florianópolis na tarde de quinta-feira, 24 de abril de 1907.
Gente de todas as classes acompanhou o cortejo a partir do saguão do Hotel do Comércio (na atual Rua Conselheiro Mafra), no qual o músico se hospedara seis dias antes e morrera durante a madrugada, vitimado por uma doença misteriosa.

À passagem do féretro viam-se todas as habitações repletas de famílias, que derramavam copiosas lágrimas lamentando a perda de tão glorioso brasileiro”, registrou o jornal Reforma.
Aos 26 anos, já famoso em todo o Brasil, Patápio fazia uma turnê pelo Sul do Brasil.

Encantava com a música erudita (Acervo Funarte)

Mulato, de origem humilde, era nascido em Itaocara (RJ) e criado em Cataguases (MG).

Chegara à capital catarinense aparentando saúde plena, mas no dia marcado para a apresentação, foi acometido por uma febre que o deixou progressivamente delirante.

Nem mesmo o melhor médico da cidade, Antônio Bulcão Viana, conseguiu reverter o quadro. Em dúvida sobre a causa da morte, ele anotou na certidão de óbito um diagnóstico genérico: gripe adinâmica.

A bela e o envenenamento
A inesperada morte de um rapaz em pleno vigor da juventude causava estranheza – e os boatos tomaram conta de Florianópolis já durante o enterro.
Dizia-se que ele havia sido envenenado no bocal da própria flauta por um figurão da política local interessado na bela mulher que o acompanhava na turnê pelo Sul.

O choro de carioca inspirou gerações (Acervo documentário Patápio)

E quem seria a bela mulher que acompanhava Patápio?
A pesquisa nos jornais de Florianópolis dos dias seguintes ao da morte do flautista revelou o nome da atriz e cantora Laly Mafaldi – italiana.

É fácil imaginar a estranheza despertada pelo relacionamento entre um mestiço e uma beldade branca numa pequena cidade como Florianópolis, que contava à época com não mais que 15 mil habitantes.
Passadas apenas duas décadas da abolição da escravatura, o público que aguardava pela apresentação de Patápio no Clube 12 de Agosto era composto pela elite branca da capital catarinense.

Confira a música de Patápio:

O enterro
A notícia (da morte) correu assim que o dia amanheceu, comovendo a cidade.
O jornal O Dia distribuiu um boletim extraordinário, convocando os moradores para o enterro: “Tendo falecido hoje às 2 horas da madrugada o festejado flautista brasileiro Patápio Silva, convidamos a todos para conduzi-lo ao Cemitério Público, devendo o enterro sair do Hotel do Comércio às 4 ½ da tarde.”

Fachada atual do antigo Hotel do Comércio, onde faleceu Patápio (Billy Culleton)

Era um desfecho triste para dias que foram tomados por dois tipos de expectativa: inicialmente pela chegada do famoso músico e depois, pela sua recuperação.
A presença de um artista de fama nacional era algo raro para a capital catarinense, que aguardava com ansiedade o concerto do flautista.

Desde jovem integrava bandas de música (Acervo documentário Patápio)

Surto de gripe e lestada
Todo o litoral catarinense estava sendo fortemente atingido pela gripe naquele momento.
A análise da estatística demógrafo-sanitária de Florianópolis em 1907 deixa claro que a Capital enfrentava um surto de gripe em abril, quando Patápio chegou à cidade.
Foram 12 casos fatais naquele mês, metade dos 25 óbitos causados pela doença ao longo de todo o ano.

Já com Patápio na cidade, Florianópolis registrou uma forte lestada, acompanhada de chuvas torrenciais.

Busto de Patápio em Itaocara (Acervo documentário Patápio)

Entretanto, o problema de saúde enfrentado pelo flautista podia ser de outra natureza, não diretamente relacionada ao clima – uma infecção intestinal, por exemplo.
Ou, como diziam os boatos da época, um envenenamento.

Exumação e remoção para RJ
No início de novembro de 1907, o pai de Patápio, o barbeiro Bruno da Silva, chegou a Florianópolis para receber o espólio do filho, incluindo a famosa flauta.
Depois de uma semana na cidade, Bruno regressou ao Rio de Janeiro, acompanhado por Laly Mafaldi, que parece ter permanecido em Florianópolis ao longo dos seis meses que se seguiram à morte de Patápio.

Antigo cemitério municipal que funcionou até 1925 (Acervo Casa da Memória)

Os restos mortais do flautista foram exumados no início de agosto de 1915 para serem remetidos à família, que os pedira.
Tais informações constam nos registros do arquivo do (antigo) cemitério de Florianópolis (no atual Parque da Luz).

Patápio estaria, desde então, sepultado no Cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro.
De qualquer forma, a transferência dos restos mortais pôs fim ao inesperado vínculo de oito anos entre o flautista e a pequena cidade que não o viu tocar.
Mas a memória da impressionante trajetória e do imenso talento musical continua a encantar todos que têm a oportunidade de conhecer a obra e a vida de Patápio.

Confira o documentário Patápio:

(As imagens de abertura são da Wikipedia)

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