O ‘rei dos manés’ partiu há 17 anos – Conheça mais sobre Aldírio Simões, que consolidou o orgulho ilhéu

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Em 22 de janeiro de 2004 faleceu, aos 62 anos, um dos mais autênticos representantes manés: o jornalista e escritor Aldírio Simões.
O Floripa Centro escolheu três textos já publicados de pessoas próximas que relembram o melhor do ‘rei dos manés’:

Aldírio Simões, sou ilhéu graças a Deus”, por Antunes Severo, com Raúl Caldas Filho
A carreira profissional de Aldírio se fez no jornalismo impresso, no rádio e na televisão de Florianópolis, mas logo se estendeu pelo Estado afora graças a participação que teve no jornal A Notícia, de Joinville, e na TV SBT/SC.
Já sua vida literária data dos anos 1990 quando lançou quatro livros: Domingueiras – sou ilhéu, graças a Deus (1990), Retratos à luz da pomboca (1997), Fala Mané (1998) e O pirão nosso de cada dia (1999).

O primeiro livro, lançado pela editora Papa-Livro, é saudado pelo editor Vilson Mendes com estas palavras: “A partir deste momento, o jornalista Aldírio Simões assume uma posição importante na literatura ilhoa, quando coloca à disposição de inúmeros leitores a preciosidade de seu livro Domingueiras – Sou ilhéu graças a Deus”.

Aldírio no seu programa Bar Fala Mané (Reprodução SBT, via ND)

A apresentação do livro é feita pelo já veterano jornalista e escritor Raul Caldas Filho, conforme reproduzimos a seguir.
“Com suas Domingueiras publicadas antes em jornais e agora agrupadas neste livro, Aldírio Simões transformou-se no mais genuíno porta-voz da herança pitoresca açoriana existente na cidade erguida sobre a Ilha de Santa Catarina, a ex-Nossa Senhora do Desterro e atual Florianópolis.

Estas crônicas, estórias, histórias, casos e causos, com seus personagens picarescos e extrovertidos (reais, ou inventados), refletem, com total fidelidade, o espírito gozador e criativo do habitante da Ilha-Capital.

Emérito frequentador de botequins – a minha essência é o botequim, ele costumava dizer – e participante efetivo de inúmeras rodas de piadistas, Aldírio é o captador por excelência da inventividade ilhoa.
Na verdade, durante toda a sua trajetória ele aparelhou-se para tal missão.

Nascido às margens do Rio do Braz, no distrito de Canasvieiras, onde passou parte da infância, mas com passagens por diversos bairros do Centro, Aldírio Simões teve uma vivência ao mesmo tempo caiçara (ou beira-de-praia) e urbana.

É, portanto, um autêntico Manezinho da Ilha e também um típico ilhéu urbano, nostálgico, cultuador dos tempos em que o mar ficava mais perto e a vida desterrense era bem mais serena, mas nem por isso, menos divertida.

Ele iniciou as suas atividades jornalísticas no antigo O Estado, da Rua Felipe Schmidt, onde exerceu diversas funções, entre elas a de paginador, repórter policial e repórter esportivo.
Mas, tendo também o samba nas veias e sendo um festeiro nato, presente, sempre que possível, a uma boa batucada nos morros, foi com suas reportagens carnavalescas que Aldírio começou a se projetar.

Este mesmo vírus levou-o a promover diversos eventos ligados ao samba, ao carnaval e a manifestações populares da cidade.
E foi um dos fundadores da Banda Mexe-Mexe, que marcou época no final dos anos 1970 e início dos 1980.

As Domingueiras começaram a ser escritas para o jornal O Estado em 1983. Mas com a transferência de seu titular para o Diário Catarinense em 1988, onde passou a assinar uma coluna, Clube do Samba, as crônicas mudaram de veículo.

Suas entrevistas com conhecidos personagens da cidade alcançaram também considerável Ibope.
Aldírio foi ainda o idealizador do troféu Manezinho da Ilha, que todos os anos é concedido a uma plêiade de figurões ilhéus, caiçaras ou urbanos.

Ao passar essas histórias para o papel (muitas já incorporadas ao anedotário da Ilha), Aldírio resgata usos e costumes que estão desaparecendo, soterrados pelos novos tempos e novos hábitos de uma cidade que cada vez mais se moderniza (nem sempre para melhor).

São ruas e bairros antigos que reaparecem, ao lado de localidades do interior da Ilha, com suas bruxas, crendices e tradições açorianas, além de expressões populares, pratos e bebidas típicas, bares e restaurantes de ontem e de hoje, que servem de cenário às aventuras dos pitorescos personagens.

Para aqueles que viveram nas plagas desterrenses entre os anos 1940 e 1960 essas páginas têm o sabor de uma viagem no tempo, à maneira das histórias em quadrinhos publicadas nos gibis daquela época.
E para os que chegaram depois, As Domingueiras funcionam como um verdadeiro aprendizado do que é o espírito ilhéu.

Leiam e divirtam-se com estas fatias de vida, que só poderiam ter acontecido (ou imaginadas) na cidade dos casos e ocasos raros”.

Memórias do Box: Aldírio Simões, o rei dos manés, por Beto Barreiros
“Nascido perto do Rio do Brás, em Canasvieiras, o jornalista Aldírio Simões era o maior conhecedor da alma dos ilhéus.
Era grande amigo do poeta Zininho – compositor do Rancho de Amor a Ilha. Moravam no mesmo prédio, onde ele convenceu a construtora para dar o nome do poeta ao residencial, o que acabou acontecendo.

Com seu grande amigo Zininho (Acervo Casa da Memória, via Vandrei Bion)

Na sua coluna Domingueiras, publicadas no extinto jornal O Estado, contava os “causos e ocasos” que colhia visitando todos os cantinhos e principalmente os bares por onde passava todos os dias para beber uma cachacinha.
Dizia que o Mercado Público era o escritório dele.

Com o seu programa na TV chamado Bar Fala Mané, entrevistava as figuras folclóricas.
Música também era o forte do seu programa, principalmente samba e pagode, que ele adorava.
Publicou vários livros e lançou o primeiro Dicionário da Ilha, onde tive participação, anotando no meu balcão as frases de autênticos manés, que quem é de fora não entende nada do que estão falando.
Foi um sucesso.

Criou o Troféu Manezinho da Ilha, com concorrida premiação anual, onde destacou todos os personagens importantes para a cultura local.
Antes do troféu, chamar alguém de mané era pejorativo, após, motivo de orgulho.
Por onde ando, vejo a presença do Aldírio em todos os lugares. Partiu em janeiro de 2004, e levou com ele a alma da cidade.”

Naquela mesa tá faltando ele, por César Valente, com Chico Amante
Hoje vamos homenagear o inesquecível Aldírio Simões.
Manezinho e criador de manezinhos, era visto pelos nativos como uma voz em defesa dos valores que, aos poucos, vão desaparecendo, soterrados por novos costumes, novos sotaques, novas gerações.

Por isso, convidei o grande Chico Amante, com quem o próprio Aldírio se aconselhava sobre assuntos da cidade, para escrever um artigo especial (que está aí embaixo), para que a gente pudesse lembrar do Aldírio a partir de uma visão privilegiada.
O Chico é escritor e reuniu em livro a biografia dos homenageados com o Troféu Manezinho da Ilha.
Um documento fundamental para ajudar a entender esta nossa cidade.

Aldírio abraça o amigo Chico Amante na Mercearia Ori, no Abraão, onde existe uma placa em sua homenagem (Acervo Chico Amante, via César Valente)

Aldírio dirigiu a Fundação Franklin Cascaes de 1989 a 1992 e segundo o atual superintendente, Vilson Rosalino, “ele contribuiu de forma expressiva para o resgate e valorização das tradições florianopolitanas, incentivou como poucos a continuidade das manifestações culturais populares, reconhecendo a singularidade da história, do jeito de ser, de se expressar e de se relacionar com o mundo, do autêntico manezinho”.

Nos bares mais simples da Ilha, nos locais onde ainda se pratica o bom esporte da conversa entre amigos, no coração dos florianopolitanos, este final de semana terá, com certeza, pelo menos um minuto de silêncio de reverente e saudosa lembrança.

E já se passaram dois anos, por Francisco Hegidio Amante
Isso mesmo. Amanhã (22), fazem dois anos que o grande Manezinho da Ilha, Aldírio Simões nos deixou em circunstâncias trágicas.

E nunca é demais rememorarmos a trajetória dessa figura ímpar, que com dignidade e inteligência soube muito bem representar e defender nossa cidade frente às inúmeras tentativas de distorcer nossos costumes e nossas tradições, com a incursão de culturas alienígenas.

Tela de Leonardo Furtado Duarte, via Cláudia Barbosa

Conheci o Aldírio nos idos de 1956, quando ele, ainda garoto, ingressou na firma João Moritz S/A., vindo da não menos famosa Confeitaria Chiquinho, para desempenhar as funções de balconista na A Soberana, da Rua Felipe Schmidt, esquina com a Praça XV.

E ali se notabilizou pela forma carinhosa com que atendia a clientela, notadamente às senhoras a quem fazia questão de chamá-las de “madame”, algo bastante inusitado e uma forma de reverência àquelas pessoas que, aliás, faziam questão de serem atendidas pelo Manezinho.

Entretanto, a função de balconista era muito pouco para a capacidade e a inteligência dele, que pretendia alçar vôos muito mais altos na vida.
Por isso resolveu ir buscar a sorte no Rio de Janeiro, permanecendo por lá por alguns anos.
Entretanto, o cheiro característico da maresia da Ilha, aliado às amizades que havia deixado e alguns dos pontos que caracterizavam a rotina de Florianópolis, como, por exemplo, o Miramar e o Mercado Público, juntou sua trouxa e retornou para cá, agora com mais experiência e disposto a trabalhar no ramo jornalístico.

Assim, visitando as redações dos jornais da cidade, encontrou na pessoa do jornalista Wilson Libório de Medeiros, do Jornal O Estado, recém instalado nos altos da Felipe Schmidt, o “padrinho” que necessitava para dar início a essa nova e fascinante atividade.
Mas, como qualquer iniciante, sua primeira função foi de paginador.

A partir de então sua carreira foi meteórica, passando a atuar não somente na imprensa escrita, como também em rádios e posteriormente na televisão, tendo criado, dirigido e apresentado um sem número de programas, culminando com o inigualável e até hoje insubstituível “Bar Fala Mané”, de saudosa memória.

Também ingressou na Prefeitura Municipal, onde galgou passos importantes em sua carreira profissional, culminando com a Superintendência da Fundação Franklin Cascaes e a Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo.
Apaixonado pelo Carnaval, foi seu coordenador oficial por várias décadas, incentivando as Escolas de Samba e os tradicionais Blocos de Sujos, este últimos de tanto sucesso em anos passados.

Suas promoções transcenderam a mais de uma dezena, e destacando-se a Maratoma, os Torneios de Dominós, a Parufest, os banhos de mar à fantasia, e tantas outras.
Criou a famosa Banda Mexe-Mexe, nos moldes da Banda de Ipanema, do Rio de Janeiro, nomeando sua rainha a nossa querida Marisa Ramos.
Criou também o Bloco Carnavalesco Ânsia de Vômito, que antecipava os festejos momescos, nos moldes do que hoje faz Bloco Berbigão do Boca.

E desde 27 anos atrás, tive a felicidade de vê-lo meu vizinho no Abraão, juntamente com outro Manezinho famoso, o poeta Zininho.
Daí em diante, consolidou-se uma amizade indissolúvel, e tornei-me, involuntariamente, seu confidente e seu conselheiro, principalmente quando algo sobre nossa cidade fugia de sua memória e ele precisava para ornamentar suas inconfundíveis crônicas no jornal.

E a Ilha e os Manezinhos, no fatídico 22 de janeiro de 2004, perderam o seu maior porta-voz; uma voz atuante em defesa de nossos interesses culturais, folclóricos, usos e costumes, que não media esforços para manter acima de qualquer coisa, tudo aquilo que sempre nos pertenceu e que diuturnamente “alienígenas” tentam de todas as formas nos roubar.

Porém, jamais deixaremos a peteca cair. Em memória do Aldírio, iremos defender com intransigência toda a sua obra, dignificada pela sublime atuação profissional e o comportamento exemplar no seio de nossa sociedade.

Estejas onde estiveres, Aldírio, já assumimos tua trincheira em defesa de nossa cidade e de nosso povo, na certeza de que, irmanados pelo ideal que sempre norteou tua existência, haveremos de manter viva a tua memória e os sagrados anseios do povão, justamente aquele povão que sempre reverenciou tua pessoa, prestigiou e foi solidário com o teu trabalho.

Sabemos perfeitamente que a municipalidade está a dever a perpetuação de tua memória, seja através da concessão de teu nome a um logradouro, à altura do teu trabalho de defesa e promoção de nossa cidade e de nossa gente, ou erigir em algum lugar uma estátua que torne perene a tua imagem.

Aliás, há alguns meses enviei uma foto da estatueta que mandei confeccionar pelo Plínio Verani, para a Fundação Franklin Cascaes, sugerindo sua colocação naquele protótipo do Miramar da Praça Fernando Machado, desde que o mesmo fosse coberto e colocada as muretas em seu redor, porém, ninguém na Fundação teve a gentileza de responder à correspondência.

Descanse em paz, mô pombo, até um dia na eternidade e um beijo no fundo do teu coração!
Do teu saudoso e eterno Amigo, Chico Amante

(Os textos foram publicados com autorização dos autores. A imagem de abertura é reprodução do SBT, via ND) 

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