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Único no Brasil, desde 1858 – Antigo carnaval de Desterro tinha desfile de carros de mutação puxados por cavalos

Por Billy Culleton

As alegorias que fascinavam a população nos desfiles dos antigos carnavais de Florianópolis eram muito diferentes das atuais.
Nos séculos XIX e XX, o auge da vibração do público acontecia quando de dentro das estruturas surgiam rainhas, dragões, bruxas ou aviões, que faziam parte da temática das sociedades carnavalescas que dominavam a festa momesca na cidade.

Registro da década de 1920 (Acervo Casa da Memória)

Antecessoras das atuais escolas de samba, entidades como Tenentes do Diabo e Granadeiros da Ilha tinham como principal atrativo os carros de mutação.
Dentro das alegorias, havia um conjunto de engrenagens e roldanas que possibilitavam o movimento das figuras em cima dos carretões, montados sobre o chassi de um caminhão e que eram puxados por cavalos, tratores, jipes ou caminhonetes.
“O sistema era formado por catracas manuais, com roldanas, e acionado por manivelas. Uma combinação de mãos leves de artistas (que preparavam as alegorias) com braços fortes de operários”, explica Fabiana Machado Didoné, mestre em Artes Visuais pela Udesc, no artigo “Um novo olhar sobre as alegorias carnavalescas – Os carros de mutação de Acary Margarida“.

A criatividade dos carnavalescos responsáveis pela criação das peças, conta ela, passeava entre castelos, dragões, aviões, navios, bruxas e animais lendários pertencentes ao folclore local.
Desde a década de 1850, contornavam a Praça XV para se apresentar ao público e também homenagear as autoridades na sacada do Palácio Cruz e Sousa.
O desfile dos carros de mutação, com engrenagens que permitiam que a alegoria se movimentasse e ganhasse vida, era único no país do Carnaval e durou até 1989, já com a utilização de novas tecnologias.
Os carros eram elaborados, durante meses, de acordo com o enredo e o tema individualmente escolhido pelas sociedades.

Década de 1950, no entorno da Praça XV (Acervo: Casa da Memória)

Segundo Didoné, no século XX, os desfiles eram divididos em dois concursos oficiais, mutação e alegoria. O regulamento previa a apresentação de no mínimo quatro e no máximo seis carros por sociedade, com destaque para o abre-alas e o carro da rainha.
No período de 1858 a 1899, existiram 34 sociedades carnavalescas na Capital.
Embora o último desfile tenha sido em 1989, as atividades das grandes sociedades foram paralisadas em 1993.
Somente em 2006, a Granadeiros e a Tenentes do Diabo voltaram a desfilar no Carnaval da cidade, mas pararam suas atividades novamente em 2013.

As quatro principais sociedades carnavalescas:

– Tenentes do Diabo
Fundada em 5 de março de 1905 por militares do Exército transferidos do Rio de Janeiro para Florianópolis, abrigou-se inicialmente nos altos da rua Felipe Schmidt, próximo à Ponte Hercílio Luz. Entre 1970 e 1978 ganhou nove títulos seguidos.

– Granadeiros da Ilha
Fundada em 6 março de 1948 por João dos Passos Xavier, faz uma homenagem em seu nome aos combatentes que defenderam a antiga Desterro (granadeiros são soldados especializados em lançar granadas). No brasão, apresenta a Ilha de Santa Catarina e uma granada como símbolo.

– Trevo de Ouro
Antiga ‘Vai ou Racha’, foi fundada em fevereiro de 1969, sendo Acary Margarida um de seus fundadores, e, mais tarde, seu filho Lauro Margarida presidente.

– Limoeiro
Fundada no bairro do Saco dos Limões, em 1978, pôde beneficiar-se de novas tecnologias e passou a inovar nos efeitos especiais e na decoração de seus carros.

CONFIRA OUTRAS FOTOS:

(As imagens são do acervo da Casa da Memória)

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Bem antes que os gaúchos – Na antiga Florianópolis, ilhéus tinham o costume de tomar chimarrão

Por Billy Culleton

Quando vemos alguém tomando chimarrão nas praias de Florianópolis imediatamente a identificamos como rio-grandense, argentino ou uruguaio.
Mas o que poucos sabem é que o mate era muito usado na Ilha de Santa Catarina antes mesmo que fosse conhecido pelos gaúchos (ou ‘por los gauchos‘).

“Festa de negros na Ilha de Santa Catarina”, desenho de Wilhelm Tilesius mostra como era o Centro da cidade em 1803

O seu consumo teria sido introduzido por navegadores espanhóis que estiveram aqui antes de Francisco Dias Velho, que fundou a cidade em 1675.
Os colonizadores ibéricos tinham ‘descoberto’ a erva-mate com os índios guaranis e caingangues que habitavam a América.

As informações constam do relatório do médico alemão Georg Heinrich Von Langsdorsff, que permaneceu na Vila Nossa Senhora do Desterro por três meses, entre dezembro de 1802 e fevereiro de 1803.

Médico Georg Von Langsdorsff (Imagem do livro História de Florianópolis)

Ele fazia parte de uma expedição russa, patrocinada pelo Czar Alexandre I, que realizava uma pesquisa sobre o continente americano.

De acordo com Carlos Humberto Corrêa, na sua obra “História de Florianópolis”, Langsdorff narrou o costume de beber chimarrão tanto nas casas populares quanto nas famílias mais abastadas, substituindo o café ou o chá usados na Europa.

Cuia de coco e bomba, similares às que eram usados pelos desterrenses

“Usavam um pequeno canudo da espessura de um cabo de cachimbo e de meio pé de comprimento (15 cm), que se abre na parte inferior com um regador, com várias aberturas pequenas e que é tecido com fibras de madeira e possibilita que se sugue o líquido do chá”.

As cuias eram feitas de casca de coco ou de uma espécie de abóbora mais dura, para os mais pobres, ou mesmo de barro cozido, usado pelos mais ricos.
“Em casa de cidadãos mais abastados veem-se cascas de coco entalhadas, pintadas ou cuidadosamente laqueadas e também encontrei lugares onde usavam a bomba e a chávena (recipiente, taça) delicadamente trabalhadas em prata”, registrou Langsdorff, acrescentando que, na época, o uso do chimarrão na Vila ‘já era muito antigo’.
Segundo o historiador Carlos Corrêa, a descrição do médico alemão é das mais completas sobre a sociedade da Ilha, seus usos e costumes.
No livro, no entanto, não há nenhuma menção às causas do desaparecimento, ao longo dos anos, da tradição de tomar chimarrão entre os florianopolitanos.

(A imagem de abertura, “Vista de Desterro” (1803) é de autor italiano desconhecido, segundo o historiador Carlos Humberto Corrêa)

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43 anos da Novembrada – Achamos o jovem que liderou a destruição da placa em homenagem a Floriano Peixoto

Por Billy Culleton

Dez dias após completar 18 anos, Alberto Amaral se sentiu apto a enfrentar quem fosse necessário para demonstrar a sua insatisfação com os rumos políticos e econômicos do Brasil no final da década de 1970.
Por isso, na manhã de 30 de novembro de 1979 foi até o Palácio de Governo (atual Cruz e Sousa) para protestar contra a ditadura militar.

Cerca de 2 mil pessoas estavam no local para festejar a visita do presidente João Figueiredo.
Mas, Amaral se juntou aos cerca de 20 jovens estudantes, que começaram a entoar palavras de ordem e, por fim, insultar o militar.
Logo depois, um Figueiredo transtornado desceu à rua para tirar satisfação, mas foi impedido de brigar pela sua segurança.

Amaral mostra o lugar exato onde estava o pedestal com a placa

Já com o presidente de volta ao Palácio, Amaral gritou: “Não vamos deixar esse filho da ditadura homenagear outro bandido!”.
Na hora, cinco estudantes correram com ele em direção à figueira da Praça XV. Embaixo da árvore símbolo da cidade, tinha sido construído um pedestal de concreto com a placa em homenagem a Floriano Peixoto, que seria inaugurada por Figueiredo.

Uma corda puxada por um estudante ajudou a derrubar o pedestal – Foto: James Tavares

Empolgados com o protagonismo dado pelo presidente, começaram a chutar a estrutura, enquanto colocavam fogo no entorno.
Diante de curiosos e manifestantes atônitos com a iniciativa, minutos depois, os estudantes conseguiram derrubar o pedestal e descolar a placa que caiu no chão.
Mas, por causa do fogo, estava muito quente, ao ponto de envergar.

Foto: James Tavares

Decidiram, então, tirar as próprias sandálias e chinelos para conseguir levantá-la como um troféu. “Foi um momento de euforia: aproveitando que estávamos com os chinelos nas mãos começamos a bater com o calçado na placa”, conta Amaral.

Foto: James Tavares

Na sequência, os estudantes foram até a frente do Palácio e atiraram a placa contra a porta.
Foi o ápice da Novembrada!

Embora, na hora, alguns imaginaram que era apenas uma traquinagem de poucos estudantes, a destruição da placa que homenagearia o homem que, em 1894, mandou fuzilar 185 catarinenses na Fortaleza de Anhatomirim, na Grande Florianópolis, se tornou o símbolo de rejeição à ditadura militar, iniciada pouco antes pelas manifestações contra Figueiredo.

Entrevista/Alberto Amaral – “Como manezinho não podia ficar quieto!”

Manezinho de 58 anos, o cinegrafista Alberto Amaral falou esta semana pela primeira vez à imprensa sobre o fato que marcou a visita presidencial há 40 anos e que o teve como principal protagonista.

Você participava do movimento estudantil?
Não, eu era estudante secundarista numa escola do Centro e ouvi falar que haveria uma manifestação contra Figueiredo. Como as aulas foram suspensas, naquela manhã, aproveitei para ir na Praça XV. Eu estava muito indignado com a situação econômica e política do país. Os preços subiam todos os dias e a população estava passando muitas necessidades.

Como começaram os protestos?
Me juntei aos cerca de 20 estudantes que estavam nas escadarias da Catedral e começamos a gritar palavras de ordem. Quando Figueiredo e Bornhausen saíram na sacada do Palácio foram aplaudidos pela maioria, mas nós continuamos gritando: “Mentiroso! Filho da puta!”, além de cantar contra o presidente e o regime militar.
Aí, quando Figueiredo fez aquele gesto de ‘mandar tomar no cu’, foi uma loucura. O protesto cresceu muito, ao ponto de silenciar os que estavam festejando a visita presidencial.

E quem lembrou da placa?
Eufórico com a proporção que tomaram os protestos gritei para não deixarmos homenagear um assassino. Em seguida, saímos correndo até a figueira. Éramos cinco ou seis estudantes. Em alguns minutos, tínhamos conseguido colocar fogo na placa e depois a atiramos contra o Palácio.
Abandonamos a lâmina e saímos correndo até o Ponto Chic para continuar os protestos.

Sete estudantes foram presos nos dias seguintes à manifestação. O que aconteceu com você?
Além de estudar, eu trabalhava como frentista num posto de gasolina na Avenida Osmar Cunha. Ao perceber a repercussão do caso, fiquei com muito medo e decidi me esconder no posto: não sai durante três dias. Comia e dormia no local, contando com o apoio do proprietário. Mas, depois disso, nunca fui incomodado, graças a Deus.

Quatro décadas depois, qual a sua avaliação dos fatos?
Eu sinto muito orgulho de ter participado ativamente da Novembrada. A situação do país era calamitosa, com muita inflação e preços altos. A população estava cansada da ditadura militar.
E ainda queriam homenagear o maior assassino da história de Santa Catarina. Como manezinho nascido na Maternidade Carlos Corrêa, não podia ficar quieto. Já não chegava que trocaram o nome de Desterro para Florianópolis.

Reportagem relacionada: A Novembrada na visão de Jorge Bornhausen: “Figueiredo causou o lamentável episódio”

O reencontro com a placa, 40 anos depois

O Floripa Centro marcou a entrevista com Alberto Amaral na Praça XV. Ele mostrou o local exato onde ficaria a placa de homenagem a Floriano Peixoto e reviveu os principais fatos daquele 30 de novembro de 1979.
Mas o que Amaral não sabia era que iria se reencontrar com a famosa placa no Museu Histórico de SC, no mesmo Palácio que recebeu Figueiredo. A lâmina está no local desde 2017, após décadas desaparecida.

Após pagar o ingresso, subimos no primeiro andar do Museu, sem alarde. Ao mostrar-lhe a placa, Amaral foi tomado por uma silenciosa emoção. Por alguns instantes ficou paralisado olhando para aquele objeto que marcou a sua vida (e também a história do Brasil).


Apesar do aviso de ‘Não tocar’, ele não resistiu e tomou a placa para observá-la mais de perto e reviver a cena de quatro décadas atrás. “Não acredito, não acredito…”, repetia em voz baixa.

Foto: James Tavares


“Olha aí, sou eu nessa foto”, disse Amaral, apontando para a imagem ao lado da placa onde ele aparece cabeludo, segurando a lâmina.

Relíquia esteve desaparecida por 16 anos

O coronel da Polícia Militar Nilo Marques de Medeiros Filho era responsável pela segurança do Palácio Cruz e Sousa naquele dia.
Após os manifestantes atirarem a placa na porta do Palácio, ele a recolheu.

“Foi Nilo quem pegou a placa na frente do Palácio e a guardou na Casa Militar. Lá ficou até 1983, quando então, por precaução e temendo pelo destino daquela relíquia histórica o militar pediu para guardá-la em casa”, escreveu o jornalista Marcos Espíndola, em reportagem do Diário Catarinense, de 30 de novembro de 2009.

Coronel Nilo Marques em registro do repórter fotográfico Júlio Cavalheiro de 2009

A reportagem de Espíndola lembrava que durante 16 anos ninguém conhecia o paradeiro da lâmina: muitos a davam como desaparecida ou destruída.
Até que em 1995 sua localização foi revelada: Nilo a apresentou durante um julgamento histórico sobre Floriano Peixoto promovido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A partir de então, Nilo tentou devolver a relíquia, mas esbarrava na falta de interesse do poder público. Até que, por ocasião da comemoração dos 30 anos da Novembrada, em 2009, foi possível a doação à Casa da Memória.
Mas há cerca de cinco anos, o Museu Histórico de SC iniciou as negociações pedindo a placa para exibição no Palácio, em regime de comodato.

Assim, desde 2017 a peça mais famosa da Novembrada está à mostra no primeiro andar do Museu e, coincidência ou não, a menos de dois metros do retrato em metal de Floriano Peixoto.

(O repórter fotográfico James Tavares autorizou a publicação das imagens de 1979)

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Vídeo: a história do mais importante estaleiro de SC – Último vestígio do Arataca está em ruínas na Beira Mar

Por Billy Culleton

Durante 57 anos, entre 1907 e 1964, Florianópolis contou com um estaleiro que foi referência no Sul do Brasil: o Arataca.
Localizado embaixo da Ponte Hercílio Luz, foi inaugurado 19 anos antes da ‘Velha Senhora’, por iniciativa do então megaempreendedor Carl Hoepcke.

A empresa era especializada em conserto, manutenção e reforma de embarcações, além de fabricar veleiros para regatas oceânicas.

Imagem: acervo Velho Bruxo

O estaleiro tinha várias edificações, que somavam 15 mil metros quadrados (1,5 campo de futebol), e empregava uma média de 120 trabalhadores.

Imagem captada no site Sail Brasil

Em 1964, após a extinção do porto de Florianópolis, que ficava ao lado, o Arataca foi desativado.
Logo depois, o aterro para a construção da Beira Mar Norte soterrou grande parte do imóvel, restando apenas o casarão que funcionava como escritório principal da empresa.

Confira o vídeo da história:

Imbróglio judicial já leva 12 anos
Até 2008, a centenária edificação, que é tombada, foi utilizada comercialmente abrigando um restaurante, salão de festas e, finalmente, um salão de beleza, chamado Fios & Formas.Naquele ano, o governo do Estado tomou a iniciativa de desapropriar a área, pela qual pagaria R$ 3 milhões de indenização à família Hoepcke.

Mas o valor não foi depositado, o que gerou uma ação judicial contra o poder público em 2011.

Imagem do Google Street de 2008

Segundo a Procuradoria Geral do Estado, com a caducidade do decreto de desapropriação de 2008, o Deinfra editou outro, mais específico, declarando parte do imóvel como de utilidade pública para efeitos de desapropriação.
A família Hoepcke, no entanto, contestou na Justiça a iniciativa do Estado e teve êxito parcial na sua demanda durante recente julgamento da ação no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 2 de agosto.
E o processo continua.

Procurado, o Instituto Carl Hoepcke preferiu não se manifestar sobre a ação judicial.
Em 2014 parte do imóvel foi demolido pela prefeitura porque estaria com a estrutura danificada.Assim, enquanto o imbróglio jurídico não se resolve, o imóvel não pode receber manutenção, ou ser reformado, nem pela família Hoepcke, nem pelo Estado.

Enquanto isso, a cidade convive, na mais importante valorizada região do Centro, com a deprimente cena de um imóvel histórico  abandonado, pichado e que acaba sendo usado por consumidores de drogas e pessoas em situação de rua.
E, exatamente, embaixo da recém-inaugurada Ponte Hercílio Luz, o cartão postal de Santa Catarina.

Reportagem relacionada: 
Descoberto caminho histórico, com o calçamento original, embaixo da Ponte Hercílio Luz

Confira outras imagens antigas:

Praia do Arataca, antes da construção do estaleiro



Confira outras imagens atuais:

(As imagens atuais são de Billy Culleton. A foto de abertura é do acervo do Instituto Hoepcke. As imagens antigas que não têm créditos são de autoria desconhecida: se algum leitor souber a origem, favor, mandar o nome para o e-mail portalfloripacentro@gmail.com)

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Asilo construído pela elite para acabar com moradores de rua do Centro, em 1910, virou exemplo de amor ao próximo

A creação desse asylo, alem de ser uma medida humanitária, é o meio de afugentar a muitos, que pedem esmolas por ociosidade e preguiça, em logar de procurarem ganhar a vida pelo trabalho. É de indeclinável necessidade estabelecer-se um asylo para elles, afim de evitar-se que continuem a esmolar pelas ruas e praças publicas, incommodando aos transeuntes”.
Foi com esses argumentos que o presidente da Província de Santa Catarina, João Rodrigues, sugeriu, em 1881, a criação do atual Asilo Irmão Joaquim, que foi construído em 1910 e está completando 112 anos.

No final do século 19 e início do século 20, parte da população de Florianópolis era composta por mendigos, ex-escravos e pobres que formavam um contingente de indigentes.
Por isso, a elite local decidiu promover a construção do “Asylo de Mendicidade Irmão Joaquim”, na atual Avenida Mauro Ramos.
As informações constam na tese de doutorado em Geografia “Do Mar ao Morro: a geografia histórica da pobreza urbana em Florianópolis”, de autoria de André Luiz Santos (UFSC, 2009).

Imagem do Centro na década de 1920 já mostra o asilo (Acervo IHGSC)

O viés higienista da época também é mencionado no próprio site do asilo Irmão Joaquim, “uma instituição centenária constituída para cuidar dos pedintes que circulavam em Florianópolis”.
E continua: “A construção fez parte de um processo de modernização e higienização que a cidade viveu nas duas primeiras décadas do século 20, época em que a água potável foi encanada e foram construídas as redes de esgoto e de energia elétrica”.

Jornal A Fé divulgava ações de solidariedade da Associação Irmão Joaquim

Jornais registram maltrapilhos e famintos
A pobreza extrema era observada principalmente em mulatos, mas existiam também brancos em situação de miséria, que a imprensa da época chamava de “maltrapilhos, famintos, ulcerados e aleijões”, que habitavam o submundo da cidade.

Imagem de jornal A Fé, de 1925

O jornal “O Estado”, por exemplo, narrava episódios dantescos de gente jogada em porões e sob pontes, conta o professor Nereu do Valle Pereira, no livro “Associação Irmão Joaquim – 100 anos de amor ao próximo”.

Grandes comerciantes viabilizam obra
A primeira etapa do asilo tinha capacidade para 20 internos, e abrigava somente homens. A conclusão da ala esquerda do prédio, em 1911, abrigava 20 mulheres.
A construção só foi possível graças às doações da elite local.
As contribuições mais importantes foram feitas pelas famílias Hoepcke e Wendhausen, maiores comerciantes da cidade no início do século XX, como mostra o jornal A Fé, de 31 de outubro de 1909.
Mas logo, a empreitada foi assumida por outros conterrâneos, como registrado no Jornal Republica, de 21 de fevereiro de 1920.
“Em 1919, o “Asylo Irmão Joaquim” era mantido por 255 associados. Abrigava, no início daquele ano: 38 “exilados” homens e mulheres, dos quais 32 brancos e 6 negros, 17 tinham mais de setenta anos, 31 eram brasileiros e 7 estrangeiros, alguns descritos como: “cegos, aleijados e imbecis”.

Caminhada de solidariedade
Com o passar dos anos, o Asilo Irmão Joaquim se transformou numa entidade exclusivamente focada no amparo à velhice, que ainda se mantém com doações.

Imagem de Billy Culleton

Atualmente, abriga 22 homens e 14 mulheres, com idades entre 60 e 98 anos.
Além da hospedagem, são fornecidas seis refeições diárias, atendimento médico, fisioterapia e atividades de lazer.

Manutenção
As despesas do asilo, que conta com 30 funcionários fixos e três profissionais voluntários, são financiadas basicamente por renda própria da Associação Irmão Joaquim, doações, convênios e uma pequena participação dos abrigados com condições de pagamento.
O alto volume de recursos necessários para manutenção dos serviços exige uma constante busca por fontes alternativas de financiamento.

Veja os vídeos sobre o maravilhoso trabalho desenvolvido atualmente no asilo:


Como ajudar?
Neste momento de pandemia, a instituição precisa ainda mais da ajuda da comunidade.
Por isso, aceita qualquer tipo de doação, seja de mantimentos, roupas ou dinheiro.
E disponibiliza colaborações por meio da conta da Celesc ou através do cartão de crédito: mais informações pelo WhatsApp (48) 99800-5367.

Grades do asilo cercavam a Praça XV
Confira a reportagem: As grades que cercavam a Praça XV há mais de um século estão pelo Centro. E você já passou por elas!

Quem foi Irmão Joaquim?
Joaquim Francisco da Costa, mais conhecido como Irmão Joaquim, nasceu em Desterro, em 20 de março de 1761.
Filho de açorianos, assumiu a vida religiosa e, em devoção à Nossa Senhora do Livramento, trocou seu nome para Joaquim Francisco do Livramento.

Irmão Joaquim (Acervo do Senado Federal)

Dedicou a vida aos doentes e necessitados. Com o dinheiro de esmolas e doações, construiu, em 1789, o primeiro hospital de Santa Catarina voltado à caridade: o Imperial Hospital de Caridade.
Mais tarde, fundou hospitais em outras cidades brasileiras, como Porto Alegre e Salvador.
Fundou ainda escolas, asilos e seminários em São Paulo e no Rio de Janeiro e empreendeu viagens à Europa em busca de recursos para financiar suas obras.
Morreu em Marselha, na França, em 1829, aos 68 anos, em sua viagem de retorno ao Brasil.

Em 2018 foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que contem o nome de 43 personagens considerados fundamentais para a construção da história brasileira, como Anita Garibaldi, o líder Zumbi dos Palmares, Heitor Villa-Lobos e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

(Esta reportagem foi feita a partir da pesquisa da tese de doutorado em Geografia “Do Mar ao Morro: a geografia histórica da pobreza urbana em Florianópolis”, de autoria de André Luiz Santos, UFSC, 2009, do site do Asilo Irmão Joaquim, da Agência Senado, e de jornais antigos como A Fé e O Estado).

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Há 82 anos – O dia em que Getúlio Vargas visitou a Capital e plantou um pau-brasil (que ainda resiste!)


Neste 24 de agosto, se completam 68 anos da morte do então presidente Getúlio Vargas.
Por isso, o Floripa Centro resgata uma curiosidade relacionada a uma visita que ele fez a Florianópolis em 1940.

Naquela ocasião, em 12 de março, o político plantou uma muda de pau-brasil, no pátio de uma escola do Bairro Saco dos Limões.
A instituição foi inaugurada naquele dia e leva o nome do presidente.

Arquivo da Secretaria de Estado da Educação

A árvore símbolo do país até hoje resiste e ocupa um lugar privilegiado na área central da Escola de Educação Básica.

Imagem do Google Street

Em 2019, o programa Balanço Geral, do Grupo ND, fez uma reportagem sobre o Saco dos Limões e abordou o tema.
Confira:

Durante a visita de três dias à Capital, o domingo foi quando o presidente reuniu mais gente: segundo o Jornal O Estado foram cerca de 10 mil pessoas que se reuniram no entorno da Catedral para ver Getúlio, que participou de uma missa.

O presidente também inaugurou o Abrigo de Menores, no Bairro Agronômica, onde atualmente é a Associação Catarinense de Imprensa (ACI), que transformará o local no Museu da Comunicação Catarinense.

Imagem de arquivo mostra Getúlio numa escola de Porto Velho, em 1940 (Wikipedia, autor desconhecido)

Foi inaugurada, ainda, a Colônia Santa Tereza, em São Pedro de Alcântara, depois transformado em hospital que atende pacientes com problemas psiquiátricos.

Na sacada do Palácio SC, Getúlio saúda a população concentrada nos arredores da Praça XV (imagem sem identificação do autor)

Veja a programação da visita presidencial publicada no Jornal O Estado de março de 1940:

Confira a matéria apresentando a visita de Getúlio:

A inauguração do Abrigo de Menores:
(A imagem de abertura é de autoria desconhecida)

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Náufragos dando volta ao mundo – Em 1803, Desterro recebeu os primeiros japoneses a pisar no Brasil

Por Billy Culleton
Na “Ilha de Sankateríni” muitos homens e mulheres andavam descalços e sem roupas.
Havia uma imensa quantidade de árvores nos morros, com macacos de rabos compridos.
As casas eram de pedra, com telhados de madeira de cerejeira, rachada ao meio.

Esta descrição da Vila Nossa Senhora do Desterro foi feita por quatro japoneses que aportaram no Forte Santana, no Centro da atual Florianópolis, em 1803.

Eles faziam parte da tripulação de um navio russo que estava fazendo a volta ao mundo.
A viagem do barco Nadezhda foi a primeira circunavegação russa do mundo e os marinheiros japoneses, os primeiros daquele país a fazer a volta na Terra.

Navio Nadezhda dando a volta ao mundo (Wikipedia)

Por que japoneses em navio russo?
Em 1793, o navio de carga japonês chamado ‘Wakamiya-maru’ foi atingido por uma tempestade e, à deriva, acabou chegando a uma ilha do Alaska (Unalaska), então território da Rússia.

O barco japonês Wakamiya-maru que naufragou perto do Alaska (Acervo site Nippo Brasilia)

Os sobreviventes foram levados para outra cidade russa, Irkutsk.

Depois de sete anos surgiu a oportunidade de retornar ao Japão: para isso, deveriam embarcar num navio que iria tentar dar a volta ao mundo e, no final da viagem, chegaria no pais nipônico.

Partida do navio completa 218 anos neste sábado, 7
Assim, em 7 de agosto de 1803, os aventureiros partiram do porto de Kronstadt e passaram por Dinamarca, Inglaterra e Espanha.

Da Europa atravessaram o Oceano Atlántico direto até a Ilha de Santa Catarina, onde chegaram em 22 de dezembro daquele ano.

Após ficarem 71 dias em Desterro, continuaram a viagem até desembarcarem em Nagasaki, em 6 de setembro de 1804.

Mapa mostra o percurso feito pelos aventureiros: Desterro foi o único local da América onde pararam (Wikipedia)

Homenagem do embaixador japonês
No dia 6 de agosto de 2021, o embaixador do Japão no Brasil, Akira Yamada, esteve em Florianópolis para conferir obras da Casan financiadas com verbas daquele país.

Embaixador frente à placa no Forte Santana (Divulgação Secom/SC)

Ele aproveitou para visitar o Forte de Santana, embaixo da Ponte Hercílio Luz, local do desembarque dos primeiros japoneses em território brasileiro.

Ali, em 2013, foi instalada uma placa que lembra a façanha e enterrada uma cápsula do tempo.

Detalhamento da placa no Forte (Billy Culleton)

Confira trechos do diário descrevendo a Ilha
Os japoneses mantinham um diário onde anotavam os principais acontecimentos e as curiosidades descobertas durante a viagem.

Confira alguns trechos sobre a Vila Nossa Senhora do Desterro, do artigo “Informações exóticas ouvidas na viagem ao redor do mundo” publicado na “Revista Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGDir./UFRGS”.

Pareceu-nos que esse local é um dos maiores portos existentes na América do Sul.
Disseram-nos que o território que está sob seu governo também se chama Ecatirina (num dos mapas dos aventureiros há menção á ‘Ilha de Sankateríni’).
Ou seja, parece-me que ele é um dos portos do Buracilí (Brasil)”.

“O porto é grande mas forma uma baía. É muito rasa, de modo que os navios grandes não podem se aproximar da costa.”

“No porto, havia dois navios ingleses e mais outros dois navios estrangeiros. Na praia, viam-se canhões para guardar a costa.”

“Os barcos dos nativos eram finos e compridos como se fossem as folhas de bambu. Seu fundo consistia em uma tábua pregada num tronco de árvore partido ao melo.”

“Ouvimos dizer que este lugar é muito quente o ano todo e não conhece o inverno”.

“Os nativos tinham peles escuras. Tanto homens como as mulheres andavam descalços e sem roupas e não tinham tatuagens. As crianças também eram pretas e andavam completamente nuas”.

“Os dentes, tanto dos homens como os das mulheres, eram pretos e estavam sempre mascando uma coisa parecida com resina de pinheiro. Parecia que não paravam de mexerem a boca”.

“Entrando território adentro a partir do porto, havia um lugar com aproximadamente mil casas (Centro da cidade)”.

“Existia um templo (Catedral). Era uma construção que possuía um objeto em forma de cruz similar ao que tem no telhado do templo russo. Observando a maneira de rezar, constatamos que parecia com a nossa reza, a dos japoneses”.

“As casas eram feitas de pedras e seus telhados eram de madeira de cerejeira rachada ao meio. Vendo de longe, assemelhavam-se a casas com telhas”.

“Preparam farinha de milho, a colocam na água quente, fazendo uma espécie de cola (polenta) e a comem”.

“Havia imensa quantidade de árvores nos morros. Entre as árvores familiares havia bergamota e laranja. Bem no interior, via-se uma montanha alta. Disseram-nos que é muito difícil de escalar”.

“Compramos muitos produtos locais para o navio: couves, nabos, rábanos, melões chineses, melões, melancias, abóboras, pepinos, uvas, pimenta, laranjas, nozes, maçãs, cana-de açúcar e açúcar branco”.

“Havia uma fruta muito grande (côco verde). A casca externa era grossa. Ao removê-la, via-se a casca interna muito dura, parte dela parecida com o rosto de uma pessoa. O seu interior estava cheio de carne oleosa, doce como nozes.
Os negros colocavam essas frutas num recipiente e vinham a nado até o navio, para vendê-las. Nós também as compramos. Ao experimentarmos, sentimos o frescor na boca e esquecemos o calor intenso, de modo que nós as compramos e as comemos várias vezes”.

“Há passarinhos de cor muito bela, de cor azul e com bico e orifícios nasais vermelhos”.

“Havia macacos de rabos compridos. Criávamos um no navio, mas morreu durante a viagem”.

“Havia um animal cujos pêlos eram de cor cinza esbranquiçada, com um focinho comprido e rabo listrado (gamba?). Seu tamanho era pequeno, um animal fácil de ser domesticado. Exalava cheiro ruim por todo o corpo. Compramos quatro deles para criá-los a bordo do navio”.

(Esta reportagem foi feita a partir de pesquisas no site Nippo Brasilia, Revista Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGDir./UFRGS e Associação Wakamiya-maru Ilha Santa Catarina. A imagem de abertura é do Wikipedia e mostra o Harbour of St Paul on the Island of Cadiack, Russian sloop-of-war Neva)

 

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Há 95 anos – Florianópolis foi a primeira cidade do país a receber um avião comercial brasileiro (e tem vídeo!)

Em 1º de janeiro de 1927, o hidroavião Atlântico chegou à capital catarinense vindo do Rio de Janeiro.
Na aeronave que aterrissou na Baía Sul, próximo à recém-inaugurada Ponte Hercílio Luz, estavam o ministro de Viação e Obras Públicas, o catarinense Victor Konder, o empresário da aviação Fritz Hammer, dois jornalistas, um cinegrafista e três tripulantes.
O voo era uma demonstração da empresa Condor Syndikat, buscando garantir a autorização do governo brasileiro para operar uma linha aérea dentro do território nacional.
A histórica viagem se transformou num marco da aviação comercial brasileira: foi o primeiro voo de transporte de passageiros de uma empresa nacional.

Imagem: acervo Varig

O ministro Konder, que exigiu que a viagem tivesse como destino seu estado natal, ficou tão impressionado com a segurança e conforto da aeronave que em poucos dias concedeu a autorização à empresa.

Semanas depois, a Condor Syndikat começou a operar a linha entre o Rio de Janeiro e a cidade gaúcha de Rio Grande, com escalas em Santos, Paranaguá, São Francisco do Sul e Florianópolis.
Em junho do mesmo ano, a empresa dava origem à Viação Aérea Rio Grandense (Varig).

Confira o vídeo (editado) da viagem, com imagens de Florianópolis (não tem som):

Capital vive o auge dos hidroaviões
Estava inaugurado o ciclo das viagens aéreas dos florianopolitanos que, até então, dependiam dos navios para vencer as longas distâncias para os principais centros urbanos, como o Rio de Janeiro.
Foram mais de duas décadas de intenso tráfego aéreo no Centro da Capital.
Os passageiros dos hidroaviões desembarcavam num trapiche existente próximo ao Mercado Público Municipal.
Antes, desciam da aeronave diretamente num pequeno barco que os levava até terra firme.

Imagem: acervo Hangar 33

CURIOSIDADES

Características da aeronave
– O hidroavião Atlântico era um bimotor, de construção semi-metálica, que podia levar de oito a 12 passageiros.
– Os assentos eram de vime, para reduzir o peso.
– As janelas eram amplas, oferecendo boa visibilidade aos passageiros, e podiam ser abertas em voo.

Acomodações
– Nas viagens, os passageiros se alojavam no casco dianteiro, que era relativamente amplo e confortável, até mesmo para os padrões atuais.

Ministro Victor Konder dentro do hidroavião (imagem do video feito em 1927)

– O comandante e os tripulantes usavam pesados casacos e ficavam num compartimento aberto, na parte de cima do avião. Usavam capacetes de couro e óculos protetores, já que não tinham qualquer proteção contra os ventos frios.

Durante a viagem
– Antes da decolagem, o mecânico de voo distribuía o “serviço de bordo”, que consistia em chumaços de algodão e chicletes.
– Os chumaços de algodão deviam ser colocados nos ouvidos, para tentar conter o ruído dos motores Rolls-Royce Eagle.
– Os chicletes serviam para evitar a sensação de “ouvido tapado”, caso o avião tivesse que subir um pouco mais alto.
– O voo era feito em baixa altitude, numa velocidade entre 120 km/h e 160 km/h.

Imagem: site Cultura Aeronáutica

Pouso e decolagem
– Para embarcar, os passageiros entravam num barco, que os levava até a aeronave.
– Durante os pousos e decolagens, as janelas deviam ser fechadas, para evitar entrada de água na cabine.
– Para a decolagem, às vezes, eram necessários serviços extras: uma lancha ia na frente só para fazer onda, propiciando ao hidroavião, depois de algumas tentativas frustradas, o essencial pulinho que o ajudava a subir.

– Os pousos noturnos eram difíceis, pois não havia área demarcada, apenas a escuridão. Por isso, foi criado um artifício, que consistia em soltar um peso de chumbo preso a uma corda, desenrolada para ficar 10 metros abaixo da aeronave.
Quando o chumbo tocava a água, uma luz azul acendia no painel, e o piloto sabia que estava na hora de puxar o manche para pousar.

(As informações foram obtidas nos seguintes sites: www.varig-airlines.com, blog.hangar33.com.br, www.portalbrasil.net e www.culturaaeronautica.blogspot.com. A foto de abertura é do Hangar 33)

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O faquir que morreu durante uma apresentação, no Centro, e decretou o fim da modalidade no Brasil

Por Billy Culleton
No início do século passado, os shows e apresentações de faquires atraiam multidões em todo o mundo.
E em Florianópolis não era diferente.

Entre as décadas de 1910 e 1940 era muito comum a população local assistir às performances destas figuras exóticas nas casas de espetáculos da cidade, como o Teatro Álvaro de Carvalho (TAC).

O Jornal O Estado, de 4 de outubro de 1917, anunciava a exibição do Fakir Moreno, apresentando o “emocionante trabalho de catalepsia”, no TAC.
O espetáculo consistia num número em que o artista era enterrado vivo e permanecia coberto de terra durante duas horas.
Depois, voltava cheio de saúde para delírio do público.
Durante esses 120 minutos havia exibição de outros espetáculos, como ilusionismo.

Os espetáculos dos faquires também incluíam hipnotismo e transmissão de pensamento, como publicou o jornal florianopolitano República, de 14 de março de 1934, sobre a apresentação do fakir catarinense Barbaramar, no palco do Clube 7 de Setembro.
Cama de pregos e jejum
Nas décadas seguintes, as performances curtas nos cinemas e teatros deram lugar a longos espetáculos em locais públicos.
As provas consistiam no encerramento do faquir em uma urna transparente durante dias, semanas ou meses, para realizar jejum total.
Na maioria das vezes, dormiam sobre pregos e vidros e junto com cobras.
Geralmente, para ver a cena era necessário pagar uma taxa.

Heráclis dentro da redoma (Reprodução Blog Os Albertos)

Exibição no Miramar
O lendário Miramar, próximo à Praça XV, foi palco de uma dessas exibições na década de 1960.
“Nesse espaço lembro-me do fakir Heráclis que dentro de uma redoma de vidro ficou deitado, sem camisa, em cima de uma cama de pregos por 40 dias e 40 noites sem beber e sem comer”, afirma o professor Sérgio Roberto Schmidt, que nasceu e cresceu em Florianópolis.

Miramar, foi palco da exibição pública do fakir Heráclis (Casa da Memória)

Ele conta que a visitação era grátis e pública.
Na época, Schmidt era estudante e recorda que também presenciou quando abriram os cadeados para retirarem Heráclis da redoma.

Morte na Igreja São Francisco
Uma década depois, em dezembro de 1977, o famoso fakir, que atuava na América do Sul desde os anos 1940, voltou a Florianópolis.
Ele pretendia quebrar o recorde mundial de 100 dias de jejum, marca que pertencia ao fakir Silki.

Como preparação para a façanha que deveria ocorrer em Buenos Aires, durante a Copa do Mundo de 1978, Heráclis construiu uma cabana de madeira ao lado da Igreja de São Francisco, no Centro, e iniciou uma prova de jejum de 30 dias.
Centenas de pessoas se aglomeravam diariamente para vê-lo na Rua Deodoro, esquina com a Felipe Schmidt.

Cabana na esquina democrática recebia  multidão (Reprodução Blog Os Albertos)

De acordo com o Blog Os Albertos, no sétimo dia, em 26 de dezembro, ele morreu repentinamente dentro da urna, vitimado por um mal súbito.

“Nada pôde ser feito para salvá-lo: 27 cadeados, cujas chaves estavam em poder de autoridades locais, separavam o faquir do resto do mundo”, diz a publicação, se transformando num dos episódios mais trágicos do faquirismo brasileiro.

Repercussão nacional
O blog reproduz trecho da matéria publicada sobre o falecimento de Heráclis na revista “O Cruzeiro” no início de 1978.
Nela, o repórter Leopoldo Oberst decretava o fim do faquirismo no Brasil.

“Com a sua morte, ao que parece, o faquirismo no Brasil chega ao seu crepúsculo. Silki está inativo e nem cogita por enquanto de voltar às praças públicas para enfrentar os riscos da urna. Urbano se aposentou e agora faz horóscopos pelo rádio. Não há nem candidatos para substituírem essas figuras. E, com a morte de Heráclis, o time de faquires perde seu último homem em campo. Mas fica a advertência: quando forem jejuar, conservem as chaves da urna nas proximidades. Pode surgir uma emergência.”

Fracasso no enterro na Praça XV
Em fevereiro de 1933 outro fakir, Ferry, protagonizou um episódio que entrou para o folclore da Ilha.
Ele anunciou que ficaria enterrado durante 15 dias, sem acesso a comida e água.
O evento, segundo o Jornal O Estado, aconteceria no ‘terreo do prédio n. 9, á Praça 15 de Novembro’.

“Essa prova está despertando a curiosidade e, naturalmente, muitas serão as pessoas que velarão o morto-vivo”.
A nota termina assim: “Por nosso intermédio, o fakir Ferry convida a população para assistir ao seu enterramento”.

Três dias depois, no entanto, ‘em vista do fracasso da bilheteria’, Ferry suspendeu a prova e saiu do caixão.
Frustrado com a apatia dos florianopolitanos foi embora da cidade para nunca mais voltar.

Confira vídeo sobre os faquires:

(A imagem de abertura é apenas ilustrativa e é reprodução do Wikipedia)

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Três anos de obras e R$ 4,7 milhões – Inaugurada em 1876, no Centro, Casa da Alfândega reabre totalmente revitalizada

O prédio ficou encantador, resgatando a beleza original de 146 anos atrás.
Construída em estilo neoclássico, a Casa da Alfândega foi o posto de arrecadação de impostos das mercadorias que chegavam no Porto de Florianópolis entre 1876 e 1964, quando encerrou as atividades juntamente com o fim das atividades portuárias.

Agora, após três anos de reformas, o imóvel de dois andares será reaberto ao público no próximo 2 de fevereiro.

A Casa da Alfândega em imagem da década de 1890 (Acervo IHGSC)

Nesse dia, a Feira de Artesanato local voltará a funcionar no espaço, ocupando o lado mais próximo ao Mercado Público.
Os outros dois terços da edificação, inaugurada em 1876, será ocupada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Espaço para a feira de artesanato local mantém os paralelepípedos originais

Esta foi a mais importante reforma da história da Alfândega: o telhado foi totalmente refeito, a escadaria de madeira foi restaurada artesanalmente e foram instalados aparelhos de ar condicionado, além da construção de um elevador para melhorar a acessibilidade.

Artesãos já estão fazendo a mudança com vistas à inauguração

A renovação interna e externa da Casa também incluiu reboco, argamassa, fiação elétrica e a pintura de todas as paredes.
No piso térreo, foram mantidos os paralelepípedos originais.

Portas internas da futura sede do Iphan, vistas desde a rua Conselheiro Mafra (ao fundo, o Largo da Alfândega)

As obras custaram R$ 4,7 milhões, com recursos do Iphan, por meio do PAC Cidades Históricas.

REPORTAGEM RELACIONADAS:
Prédio da Alfândega desapareceu – A terrível explosão que estremeceu o Centro em 1866

O renascimento do antigo muro do Largo da Alfândega

História
Com 1,3 mil metros quadrados, a Casa da Alfândega foi inaugurada em 29 de julho de 1876, pelo então presidente da província de Santa Catarina, Visconde de Taunay.

O prédio foi construído pelo Governo Imperial para funcionar como posto de arrecadação de impostos e só começou a operar efetivamente em fevereiro de 1877, após inspeção técnica.
A edificação substitui a primeira alfândega, que se localizava ao redor da atual Praça XV, e que foi destruída por uma explosão em 1866.
As atividades alfandegárias no local duraram mais de 90 anos, encerrando-se em 1964 com a decadência e fechamento do Porto de Florianópolis, juntamente com o posto aduaneiro da Praia de Sambaqui.

(Texto e fotos de Billy Culleton)

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Com poucos clientes, engraxates da Praça XV estão em via de extinção: duas bancas fecharam nos últimos anos

Por Billy Culletonce

Milton Amauri está prestes a completar meio século de vida, a maior parte dela frequentando a Praça XV de Novembro, no Centro de Florianópolis.
Desde os sete anos, na década de 1970, acompanhava o pai, que tinha uma banca para engraxar sapatos na calçada, frente ao Calçadão da Felipe Schmidt, e que ele ‘herdou’ após a morte do progenitor.

Milton Amauri (D) aguardando a clientela na frente do Calçadão da Felipe Schmidt

“Está difícil continuar aqui. A gente faz apenas quatro ou cinco clientes por dia. Antes era muito melhor: chegava a fazer 20…”.
Ele é um exemplo da decadência, mas também da resistência do ofício.

Até 2010 eram seis bancas para engraxates no entorno da praça: duas do lado Oeste (continuação da Rua Arcipreste Paiva, chamada Rua Praça XV), três no lado Leste (na rua da agência dos Correios) e uma na frente da Praça Fernando Machado, onde se encontra o monumento ao Miramar.

Nos últimos anos, por causa do declínio do serviço, duas bancas foram desativadas.

No lado Oeste, banca foi substituída por um banco
Frente à Praça Fernando Machado, lugar da antiga banca serve para ‘acomodar’ pessoas em situação de rua

Uma das bancas do lado Leste pertence a Célio de Souza há mais de 40 anos. Ele diz que está pensando em desistir da profissão, pela falta de clientes.

Célio de Souza está propenso a abandonar a engraxataria

“As pessoas perderam o costume de engraxar na rua. Agora, a maioria compra aqueles produtos prontos e passam no calçado, em casa”.

A poucos metros daí trabalha Luis Carlos Peixoto, de 52 anos, 30 deles na banca. “Ontem engraxei apenas um par de sapatos”, conta, desapontado.

Luiz Carlos Peixoto prefere aguardar os poucos clientes do que ficar em casa

Ele culpa a crise financeira do país pelo baixo movimento na sua banca. “E a cada dia está ficando pior”.
Porém, mesmo com pouco serviço, Peixoto, que é aposentado, não pretende sair do local. “Não adianta ficar em casa, algo tenho que fazer… aqui pelo menos vejo o movimento e converso com as pessoas”.

Os valores:
Os preços variam, dependendo da banca. Engraxar um par de sapatos custa entre R$ 10 e R$ 15 e botas entre R$ 15 e R$ 20.

 




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Ponte Hercílio Luz – Aberto edital para exploração comercial do mirante na cabeceira insular

Estão abertas as inscrições para empresas que tenham interesse de explorar a área na cabeceira insular da ponte Hercílio Luz, em Florianópolis, para a prestação de serviços como alimentação e outras atividades turísticas.
Restaurado pela Secretaria de Estado da Infraestrutura e Mobilidade, o local recebeu pavimentação, cercamento com peças originais da estrutura (dispensadas na reforma) e um monumento com uma das barras de olhal original.

Objetivo é transformar o lugar, que tem vista para o principal cartão postal de Santa Catarina, em um ponto de convivência.

“É mais um avanço após a devolução da Ponte Hercílio Luz ao convívio dos catarinenses. A Velha Senhora é um patrimônio dos catarinenses, o monumento mais fotografado do Estado e a reabertura mostrou que é muito mais do que um instrumento de mobilidade. Este mirante é um espaço nobre que queremos transformar em área de convivência”, destacou o secretário de Estado da Infraestrutura, Thiago Vieira.

Podem participar empresas sozinhas ou consorciadas (no máximo de três empresas integrantes). O que mais pesará na escolha entre as consideradas habilitadas será o valor de outorga mensal.
Ou seja, o montante repassado aos cofres públicos em troca da exploração do espaço. Empresas interessadas podem acessar o edital neste link.

As propostas serão aceitas até as 14h do dia 3 de fevereiro. Os proponentes deverão apresentar, ainda, um estudo preliminar de intervenção urbanística, com propostas de melhoria no espaço, elaborado por profissional habilitado.

(Com informações do governo de SC. A foto é de Alexandre Aguiar da Silva/SIE)

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