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Os 40 anos do Terminal Rodoviário Rita Maria – Relembre a inauguração, com Fafá de Belém

Com um show que durou duas horas, a cantora Fafá de Belém foi a encarregada de animar os milhares de florianopolitanos que se congregaram para testemunhar a inauguração de um ícone da arquitetura moderna na cidade.
No início da tarde do feriado de 7 de setembro de 1981, finalmente, a capital catarinense ganhava uma rodoviária à altura do seu inexorável desenvolvimento urbano.

O inovador projeto arquitetônico do Terminal Rita Maria foi escolhido por meio de um concurso nacional promovido, em 1976, pelo governo do Estado.
Ganhou a equipe formada pelos arquitetos uruguaios Yamandú Carlevaro e Enrique Nadotti e o argentino Ricardo Monti.

Entre as características ousadas da construção, chama a atenção o enorme telhado formado por 144 blocos de concreto, que pesam 24 toneladas cada um.
Durante a construção foi necessário um guincho especial da Alemanha para poder encaixar as estruturas.

Além do show de Fafá, que emocionou a todos cantando o hino nacional, a inauguração contou com uma corrida de kart e outra de ciclismo, e terminou com um gigante bolo distribuído entre a população.
Concessão à iniciativa privada
Passadas quase quatro décadas daquela data memorável, o governo do Estado anunciou em agosto de 2020 que está avançando no processo de concessão da rodoviária para a iniciativa privada.
O primeiro passo foi a regularização do terminal junto ao governo federal, proprietário desta área de marinha.
Para isso, foi assinado, nesta sexta-feira, 31, um contrato de cessão de uso com a Superintendência do Patrimônio da União.
O regime da cessão será o de arrendamento, com vigência de 20 anos, com possibilidade de prorrogação.
Licitação em 2021
Ao mesmo tempo, o Estado informou que iniciou os estudos para conceder o terminal à iniciativa privada, dentro do projeto do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI-SC).
De acordo com o secretário executivo de Parcerias Público Privadas da SCPar, Ramiro Zinder, o processo para recebimento de estudos técnicos, econômicos e jurídicos já está sendo realizado. “Essa análise vai permitir o embasamento para lançar o edital de licitação em 2021”.

Dívida de SC com a União
Ao longo dos anos, o governo do Estado deixou de pagar cerca de R$ 20 milhões à União pelo uso da área de marinha.
Agora, com o novo contrato houve uma renegociação que baixou a dívida para R$ 5 milhões.
“Foram flexibilizados valores da multa e dos pagamentos atrasados, que superavam os R$ 20 milhões. O valor que está em aberto e será pago é de R$ 5,2 milhões, podendo ainda ser parcelado em até 60 meses”, informou a Secretaria de Infraestrutura.

Veja outras imagens da década de 1970:

(A foto de abertura é reprodução do Deter. É desconhecida a autoria das demais imagens antigas. Já as fotos mais modernas são do site www.archdaily.com.br)

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Monumento mais antigo da Capital – Homenagem aos catarinenses mortos no Paraguai ficou pela metade

Por Billy Culleton
Inaugurado em 1876 para honrar os soldados catarinenses que lutaram na Guerra do Paraguai, o monumento no coração da Praça XV de Novembro foi projetado para ser um imponente obelisco de 20 metros de altura.

Mas a falta de recursos e a pressa dos governantes para inaugurá-lo o deixaram com pouco mais da metade do tamanho original: 10,8 metros.

O jornalista catarinense Virgílio Várzea (1863-1941), na obra “Santa Catarina: a ilha” (1900), explica o acontecido na época:
Apresentado o desenho, que esteve exposto ao público durante muitos dias e que representava uma coluna (…) com 20 metros de altura, o presidente (governador João Tomé da Silva) ordenou a construção, mandando erguer os primeiros alicerces no centro do Largo do Palácio (atual Praça XV de Novembro)”.
“Mal se achava construído o pedestal, foi o Dr. João Tomé chamado à Corte, ficando assim interrompidas as obras, que só tiveram prosseguimento algum tempo depois, na administração Taunay (Alfredo d’Escragnolle Taunay), que, lutando com as maiores dificuldades pecuniárias, e não podendo realizar o primitivo plano, resolveu concluí-las, completando o plinto começado e rematando-o com uma “pilha de bombas de morteiro de 32 centímetros, terminada por uma chama de bomba, que parece explodir no ar.”

A obra receberia o nome de “Coluna Comemorativa”, mas ficou conhecido como o monumento aos 51 catarinenses mortos na Guerra do Paraguai (1864-1870).

Ao todo, cerca de 300 soldados foram arregimentados pelo Império em Santa Catarina para lutar junto com Argentina e Uruguai, contra os paraguaios.

 Assim, o monumento, que era para ter 20 metros de altura, ficou reduzido a pouco mais de metade, deixando ver infelizmente, pelo seu aspecto total, o estado de uma construção imperfeita e inacabada”, descreveu Várzea, no início do século passado.

O que está escrito nas quatro placas
Em cada uma das quatro faces do pedestal há uma pedra de mármore vermelho, de 2 metros de comprimento por 1 metro de largura.
Confira o que diz cada uma:

A placa abaixo está escrita em latim e foi traduzida livremente pela reportagem, com a ajuda dos tradutores automáticos da web:

Cartão postal de 1902 (Foto B Acervo Cid Junkes – Coleção Desterro Antesdonte)

(As fotos antigas são do acervo do IHGSC: a primeira, seria da década de 1890, e a segunda da década de 1920. As fotos atuais são de Billy Culleton)

 

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O Parque da Luz já foi morro – Entulho do antigo cemitério, com ossadas, foi usado para aterrar a Beira Mar Norte

Por Billy Culleton
Em 1960, começaram as obras do aterramento que deram origem à Avenida Beira Mar Norte.
Para isso, terra e entulho carregados por caminhões foram ganhando terreno sobre o mar.
E a principal fonte foi o morro mais próximo, onde funcionou o cemitério municipal até 1924 e que atualmente é o Parque da Luz.

Parque da Luz na década de 1990 (Arquivo pessoal)

Fotos do início do século passado mostram que a área tinha uma altura de, pelo menos, 50 metros.

Foto desde o Continente, de 1910, mostra a elevação do cemitério (Acervo Antônio Pirajá Martins da Silva/Casa da Memória)

Num mapa de Desterro de 1774 o local é denominado Monte de Rita Maria.

No centro da planta, Monte de Rita Maria (acervo de Rodrigo Dalmolin)

Quando o cemitério foi desativado, dois anos antes da inauguração da Ponte Hercílio Luz, os restos mortais foram transferidos para o atual Cemitério do Itacorubi.

Mas, nem todos!
Como descreve a historiadora Elisiana Castro.
“Os termos de exumações apresentam aproximadamente 800 exumações e algumas retiradas de ossadas, não permitindo afirmar a transferência de todos os que ali estavam enterrados”, relata ela, na pesquisa “Aqui jaz um cemitério: a transferência do cemitério público de Florianópolis (1923-26)”, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Isto porque, os termos de exumações apontam que o número de sepultados aproximava-se dos 30 mil, na época da transferência.

O cemitério visto desde a Ilha: já tem guindastes trabalhando na construção da Ponte (Casa da Memória)

Na Praça da Bandeira, terra com ossadas
A mudança deixou para trás alguns túmulos, ossos e lápides, que se transformaram em entulho para aterros por toda a cidade.
Logo após a desativação do ‘campo santo’, o que sobrou (terra e escombros com ossos e lápides) foram usados, por exemplo, para o aterramento da Praça da Bandeira, na frente da Assembleia Legislativa.

Praça da Bandeira (Divulgação: TJ/SC)

“A terra era carregada por carroças, caçambas e caminhões. Na Praça da Bandeira, se encontravam ossadas dos defuntos que foram tirados junto com a terra do cemitério”, contou o florianopolitano Waldir Vargas, em depoimento a Edna Rosa, autora da pesquisa “A relação do crescimento urbano de Florianópolis com as áreas dos cemitérios”, divulgada pela UFSC, em 1998.

Historiador de 91 anos relembra aterro
Décadas depois, o local que era chamado de Colina da Vista Alegre, Morro do Barro Vermelho ou, simplesmente, Morro do Cemitério foi a principal ‘jazida’ para a construção da Beira Mar Norte.
No início, a avenida tinha quatro pistas, duas para cada lado. Só na década de 1980 é que foi ampliada para seu formato atual.

Embora o Floripa Centro não tenha encontrado registros oficiais sobre o uso do morro para o aterro, a tradição oral ‘dos mais antigos’ confirma o fato.
“Lembro perfeitamente dos caminhões sendo carregados no antigo cemitério para construir a Beira Mar”, conta o professor Nereu do Vale Pereira, de 91 anos, um dos mais antigos historiadores vivos de Florianópolis.

E, assim, o local que sedia o agora ‘aplainado’ Parque da Luz passou por duas grandes transformações em menos de um século: deixou de ser cemitério… e deixou de ser morro!

Em 1925 (foto de Felipe Bündgets) e em 2020 (foto Billy Culleton)

Confira mais fotos da área (a foto de abertura é de Felipe Bündgets, na obra ‘Ponte Hercílio Luz, do sonho à realidade’):

Novas informações a partir da interação dos leitores:
“Vale lembrar uma curiosidade:
O administrador do ‘novo’ cemitério do Itacorubi, tio avô do também historiador Ney Cláudio Franzoni Viegas, ficou semanas para inaugurar o cemitério.
Não morria ninguém!
Advinha quem foi o primeiro a ser enterrado!?
O próprio! Ora, ora!”
(Ricardinho Machado)

“Outra curiosidade sobre cemitérios antigos de Florianópolis.
Atrás da igreja São Francisco tem o Centro comercial “ARS”, praticamente o primeiro shopping da cidade e primeiro prédio da cidade com escada rolante.
Onde hoje se situa o ARS, era o cemitério da igreja São Francisco, que por tradição, cemitérios eram edificados ao lado ou nos fundos das igrejas.
Lembrando que era também, normal sepultar os “nobres”, dentro das igrejas.”
(J.I.Cibils)

“Na realidade era o Monte de Rita Maria, basta consultar a planta da vila de 1774” (Rodrigo Dalmolin, que enviou o mapa em que aparece escrito o Monte de Rita Maria)

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Descoberto caminho histórico, com o calçamento original, embaixo da Ponte Hercílio Luz

Por Billy Culleton
Os pescadores artesanais que desembarcavam na beira mar Norte, no início do século passado, usavam uma rampa íngreme para ‘subir’ ao Centro e levar seus produtos.
O mesmo caminho de 60 metros também era usado pelos trabalhadores do estaleiro Arataca, que ocupava o espaço, desde a década de 1900, para a construção, reforma e conserto de grandes embarcações.

O tempo passou, a Ponte Hercílio Luz foi construída, o estaleiro cresceu e fechou e, na década de 1970, o local viu nascer a principal avenida de Florianópolis.
E nunca mais se soube sobre ‘o tal caminho’.

Rampa aparece na imagem de 1924, feita por Felipe Bündgens, e publicada no livro ‘Ponte Hercílio Luz, do sonho à realidade’

Revitalização e descoberta
Agora, em 2020, com a conclusão da reforma da Ponte, o governo do Estado estava cercando as bases da obra e revitalizando a área entre a Avenida Beira Mar Norte e a Rua Almirante Lamego, quando descobriu um calçamento aterrado, que ligava as duas vias.
Os órgãos de patrimônio histórico foram acionados e decidiu-se pela preservação do caminho.

Imagem Google Street

A Prefeitura de Florianópolis ainda não tem informações exatas sobre a rampa.
“O que se sabe é que havia vários galpões do estaleiro que foram demolidos e ficou o imóvel mais recente, da década de 1930. Nesta época, o caminho já existia”, informa Marilaine Schmitt, gerente do Serviço do Patrimônio Histórico da Capital (Sephan), que está pesquisando sobre a via.
“Ainda não temos informações sobre o que era essa rampa e para que servia. Se era um simples acesso ou se tinha algum outro objetivo”.
A zona está classificada como Área de Proteção Cultural, que se sobrepõe ao conjunto do Rita Maria, antiga região portuária da cidade, que é tombado pelo Decreto Municipal Nº 270/1986.

Imagens: Billy Culleton

Iphan desconsidera valor histórico
Já para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a via não é considerada como um arruamento histórico.
“A passagem já existia no local. Conforme sua obrigação legal, o Iphan vistoriou o local e fez recomendações para a pavimentação do referido trecho, caso os governos estadual ou municipal entendam como pertinente fazê-lo”, afirmou o órgão, por meio da assessoria de imprensa.

Imagem: Billy Culleton

Alegria do pedestre
Independente do valor histórico, agora a população tem mais uma via que une a Beira Mar Norte com a Ponte Hercílio Luz (na Almirante Lamego há uma pequena escada que liga à cabeceira insular).
Antes, para fazer essa conexão de 60 metros o pedestre precisava caminhar cerca de 1.500 metros, uma grande volta pela Felipe Schmidt ou pelo Rita Maria.

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Construído em 1761 – Forte Santana, na Beira Mar, passa por primeira reforma geral em 45 anos e ganha cafeteria

Por Billy Culleton
Dom Pedro I desembarcou nesta fortaleza quando chegou em Desterro para uma visita relâmpago em novembro de 1826, 65 anos após ter sido construída pelos portugueses para proteger a Ilha de Santa Catarina.
O nome original é Forte Santana do Estreito em alusão ao pequeno espaço marítimo entre a Ilha e o Continente (atualmente, para os florianopolitanos, Estreito virou sinônimo do bairro na região continental).
Construída em 1761, a fortaleza foi utilizada por militares até ser desativada em 1907. Depois, ficou abandonada por mais de seis décadas e a área foi tomada por construções clandestinas.
Mas em 1969, começou a restauração que lhe devolveu as formas originais, concluída em 1975.
Naquele ano, o forte foi aberto ao público, que passou a ter acesso ao local para apreciar todo o complexo, que inclui sete canhões e o Museu de Armas Lara Ribas, administrado pela Polícia Militar de SC.

O forte é constituído por um único conjunto de edificações, quase todas geminadas, tendo à sua frente uma bateria com sete plataformas de tijolos para posicionamento de seus canhões.

Agora, em maio de 2020, 259 anos após a construção e há 45 anos da reabertura, começou uma reforma geral que promete revitalizar completamente o local.
O telhado está sendo trocado. As paredes e o piso, revitalizados.
As danificadas estruturas de madeira que sustentam os canhões também serão substituídas.
E o público ainda terá uma cafeteria à disposição, com todo tipo de lanches, cafés e bebidas.

A restauração custará R$ 1,8 milhão, recursos do governo federal, e conta com a fiscalização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A previsão da conclusão é janeiro de 2021.

A história
O Forte de Santana teria sido construído em 1761.
Porém, há divergências quanto à data exata: embora alguns historiadores apontem para 1761, a placa existente na entrada diz 1765.
Situado junto ao estreito de união das baías Norte e Sul, sua função era proteger a Vila de Nossa Senhora do Desterro das embarcações que adentrassem pela Baía Norte, segundo o site fortalezas.org.
Posteriormente, esta proteção foi reforçada com o cruzamento de fogos com o Forte de São João, localizado no Continente.
Em 1786, tinha 10 canhões, sendo quatro deles de bronze: um de calibre 8 libras e três de calibre 6 libras; e seis canhões de ferro, todos de calibre 12 libras.
Além de suas funções originais, abrigou a Escola de Aprendizes Marinheiros (1857), a Companhia dos Inválidos (1876), o serviço de Polícia do Porto (1880) e, finalmente, uma estação meteorológica do Ministério da Agricultura.
Em 1938, foi tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, abrigando desde 1975 o Museu de Armas da Polícia Militar de Santa Catarina.

Revolução federalista
Um episódio marcante de sua história ocorreu em 1893, por ocasião da Revolução Federalista, quando trocou tiros com a esquadra rebelde.
Prevendo um ataque à cidade, que viria de fato a ocorrer, o comandante do Forte mandou reunir diversos canhões de ferro fundido, que encontravam-se então enterrados pela metade nas ruas da cidade, funcionando com simples enfeites. Com este armamento obsoleto, a fortificação trocou tiros com o poderoso Cruzador Repúblico e com o Vapor Palas, os quais fora do alcance daquela precária artilharia, bombardearam o Forte, forçando seu comandante ao imediato cessar fogo e rendição.

(As fotos antigas são do site fortalezas.org. As atuais de Billy Culleton – 10/6/2020. Matéria atualizada em janeiro de 2021. Originalmente, foi publicado que a construção foi em 1765, como indicava a placa existente no local. Agora, uma nova placa indica 1761)

Confira o vídeo:

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Vexame nacional em 1937 – Calote de SC a escultor quase derruba estátua de Hercílio Luz

Por Billy Culleton

Pagamento antecipado, intermediários, calote e judicialização são os ingredientes de um ‘escândalo nacional’ que envolveu políticos e personalidades da alta sociedade florianopolitana há 83 anos.
Um ano após a inauguração da estátua de Hercílio Luz, na cabeceira insular da ponte, e sem ter recebido o pagamento pela obra, o escultor procurou a Justiça pedindo a derrubada da estátua.

A história será contada a partir da transcrição dos textos do jornal local A Gazeta, que apurou o caso durante dez dias.

Acompanhe a erudita narrativa, recheada de adjetivações e subjetivações (foi mantida a grafia original):

9 de setembro de 1937 – A estatua de Hercilio: diz-se que vai ser arrancada por falta de pagamento ao fundidor
Hoje, com surpreza maguante, chega às mãos um exemplar do Vespertino A Noite, do Rio de Janeiro, com o título:
‘Quer arrancar o monumento – Curiosa ação em torno da estátua’
(
Segue, na reportagem de A Gazeta, a transcrição do Jornal A Noite):
O caso é curioso. Cogitava-se de homenagear a figura de Hercílio Luz.
Nada melhor, portanto –considerou-se – que erigir-se uma estátua ao grande político e ex-governador de Santa Catarina.
Veiu o artista, apareceu a ‘maquete’ e pouco depois o modelo ia para fundição.
O monumento ficou pronto, perfeito.
O fundidor, porém, viu apenas parte do dinheiro.
Como resultado de muitos entendimentos, ficou resolvido que o pagamento restante se processaria parceladamente, sendo que oito contos de réis logo no ato do embarque do monumento para Santa Catarina, onde seria inaugurado.
O volume foi para o Cáis do Porto. O conhecimento de embarque foi apresentado, mas o pagamento combinado não foi feito.
Protelações constantes desafiaram a paciência do fundidor.
Cansado de cobrar sem resultado deixou que tudo corresse como Deus quisesse.
Emquanto não viessem os ‘cobres’, Hercílio Luz em bronze ficaria jogado nos armazéns do Cáis.

E de fato durante meses a artística obra ali ficou.
Passaram-se os tempos.
Um belo dia o fundidor abre as páginas de um jornal e lê, surpreso, esta notícia: “Com grande solenidade foi inaugurado nesta cidade (era telegrama de Santa Catarina), o monumento do sr. Hercílio Luz.
Era demais – pensou – que fizessem a festa, mas pagassem.
E assim pensando, o fundidor iniciou uma ação que presentemente está em marcha para a solução final e cujo objetivo é o seguinte: arrancar da praça pública o monumento que não foi pago.”

(Continua matéria de A Gazeta):
Gravíssima é a revelação que ai fica.
Cabe aos responsáveis explicar o que há a tal respeito (…) e que evitem que se faça passar o povo catarinense pelo vexame, pelo desaire e pela vergonha de ser apontado como caloteiro aos olhos de todo o Brasil e de ver arrancada de seu pedestal, por falta de pagamento ao fundidor, a estatua daquele que foi uma expressão aurifulgente do gênio, do valor e do heroísmo cívico da gente barriga-verde.

O que nos disse o dr. Wanderley Junior
Afim de obtermos esclarecimentos acerca do palpitante caso, procuramos o dr. Wanderley Junior, membro da comissão ‘pró estátua Hercílio Luz’, que nos disse o seguinte:
Trata-se de uma infâmia. O monumento, pelo que sei, foi pago, tendo servido de intermediário, no Rio de Janeiro, para a entrega do mesmo à comissão, o senador Artur Costa. Posso adiantar que o último pagamento ao escultor Antonino de Matos devia ter cabido ao sr. Ângelo La Porta (proprietário do icônico Hotel La Porta), que foi quem se responsabilizou pelo que faltasse inteirar.O que nos disse o senador Artur Costa:
Fui encarregado pela Comissão Pró-estatua Hercílio Luz, de solucionar, no Rio de Janeiro, a situação de impasse em que se encontrava a mesma comissão em face do escultor Antonino de Matos, que não cumprira o contrato e reclamava novas quantias para a conclusão da obra, paralizada desde há muito tempo.
Esgotados os meios suasórios, recorri á ação judicial. Intimado o sr. Antonino de Matos para responder em juízo, este formulou uma proposta, que transmitida á comissão e por esta aceita, foi pelo escultor cumprida. Em face disto, foi-me a estatua entregue pelo que encaminhei ao dr. Amadeu Luz. Sobre o assunto, é o que sei”
18 de setembro de 1937 – Novas declarações do dr. Wanderley Junior
O caso da estátua está repercutindo em todo o país (..) e está tomando foros de escândalo nacional.
Voltamos a procurar o advogado dr. Wanderley Junior, para que, como membro da comissão angariadora dos donativos, nos dissesse algo mais positivo:
A estatua foi integralmente paga ao escultor. Este, entretanto, deixou de entregal-a á comissão, pretextando gráves prejuízos, que o impossibilitavam de liquidar com o fundidor a parte que a este competia.
O escultor, intimado a responder em juízo, formulou então uma proposta, que, consistiu em darem-lhe mais dez contos de réis, com cuja quantia pagaria ao fundidor, retiraria a estatua e entregar-la-ia à comissão.
(…)
Foi nesta altura, que o sr. Angelo La Porta, fez á comissão o oferecimento da quantia
pedida pelo escultor, responsabilizando-se a fazer a entrega da mesma.
Continuando, o dr. Wanderley Junior, esclarece:
– Posso adiantar, que por um intermediário, o sr. Angelo La Porta, na ocasião da remessa da estatua para esta capital, féz a entrega de parte da quantia porque se responsabilizára.
18 de setembro de 1937 – Crêmos que a voz do governador Nerêu Ramos não tardará, pondo termo a celeuma suscitada em torno do lamentável caso
Em entrevista dada pelo dr. Wanderley Junior, ontem publicada por esta folha (…) há uma passagem obscura, que julgámos de bom aviso elucidar, para evitar interpretações intempestivas e maldosas.
Trata-se da declaração:
“Poder adiantar ter o sr. Angelo La Porta, na ocasião da remessa da estatua para esta capital, feito a entrega de parte da quantia porque se responsabilisára”.
O nosso empenho em esclarecer o assunto, de modo a colocar as coisas no seu verdadeiro pé…
(…)
Assim, podemos garantir, que a quantia entregue pelo sr. Angelo La Porta foi apenas 1:700$00 (seria 1,7 conto?), posta em mão do ilustre deputado dr. Abelardo Luz, para pagamento da armazenagem do monumento e outras despezas concernentes ao seu embarque.
(…)
Daqui resulta, portanto, não haver o escultor Antonino de Matos recebido até esta data a importância dos dez contos de réis.
(…)
O assunto não é apenas melindroso. Ele é gravíssimo.
O vexame, no caso de uma decisão judicial favorável ao fundidor, viría recair em cheio na face de todos os catarinenses.
Estamos certos, porém, de que antes de tal decisão judiciária se efetivar, o nobre governador de Santa Catarina, o grande catarinense que é o ilustre sr. dr. Nerêu Ramos (…) evitará a consumação de tamanho deslustre aos brios da gente barriga-verde.
Sua Excia, tomará, não tenhamos disso a menor dúvida, as providências necessárias para que a estatua de Hercílio Luz permaneça intangível no seu pedestal.
(…)
Descansem, pois, os catarinenses, que a voz do atual governador de Santa Catarina, não tardará.”

E nunca mais se falou no assunto!
Tudo leva a crer que Nereu Ramos quitou a dívida (com recursos públicos ou próprios), já que, 83 anos depois, a estátua continua em pé, na cabeceira insular da Ponte.

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Memória recuperada – Confirmado o local onde estão enterrados os restos mortais do ex-governador Hercílio Luz

O culto aos mortos foi um costume muito arraigado à nossa cultura até poucas décadas atrás.
A modernidade, com a pretensa rejeição ao sofrimento e à dor, lentamente buscou excluir o hábito de lembrar daqueles que nos deixaram o seu legado.

Atualmente, são raras as homenagens a figuras públicas que ajudaram a desenvolver uma cidade, estado ou país.
Mas não foi sempre assim. Era praxe em Florianópolis, até a década de 1960, reconhecer a memória de políticos como, por exemplo, o ex-governador Hercílio Luz.
E graças a essas homenagens, registradas nos jornais da época, que é possível confirmar o local onde está enterrado o idealizador da ligação entre a Ilha e o Continente.
É sob a estátua dele, na cabeceira insular da ponte!

Reportagem publicada pelo Floripa Centro nesta sexta-feira, 29, mostrou que ‘oficialmente’ ninguém sabia o destino do corpo de Hercílio Luz: nem o Estado (representado pela Fundação Catarinense de Cultura, que administra o Museu sobre o ex-governador, em Rancho Queimado); nem a família (a neta afirmou que a tradição oral indicava que seria no monumento, mas que não havia certeza sobre isso) e nem os ex-governadores Esperidião Amin e Jorge Bornhausen.
Foi o irrequieto colega jornalista Upiara Boschi que, após ler a matéria, buscou os arquivos dos jornais e constatou a menção ao túmulo de Hercílio Luz.
O primeiro registro foi a homenagem pelos 25 anos da sua morte, em 19 de outubro de 1949.
O Jornal O Estado publica um convite para as diferentes solenidades, entre as que se destaca a ‘romaria à estatua de Hercílio Luz, onde se acham depositados os ossos do ilustre morto’.
Onze anos depois, por ocasião do centenário do nascimento de Hercílio Luz, em 29 de maio de 1960, houve uma semana de homenagens na Capital.
Os jornais da época, como O Estado, mencionam uma solenidade no ‘túmulo-monumento’, que começou com a romaria ao local e culminou com o discurso do governador Heriberto Hulse.
A placa dessa homenagem ainda encontra-se numa das laterais do monumento.

Primeiro, no Cemitério do Hospital de Caridade
Quando morreu, em 1924, Hercílio foi enterrado no Cemitério da Irmandade Senhor dos Passos, ao lado do Hospital de Caridade.
Este fato é unanimidade entre os historiadores.
Em 17 de novembro de 1930, o jornal O Estado faz menção a isso, em artigo sobre outro político: “Que esse túmulo, e elle, como o de Hercílio Luz, lá está no cemitério dos Passos…”
Porém, não foram encontrados registros de quando foram transferidos os restos para a cabeceira insular da ponte, agora confirmado como o local oficial onde descansa o ‘inolvidável e saudoso estadista catarinense’, como era chamado em tempos longínquos.

Quer ler um artigo interessante sobre a falta da preservação da memória dos mortos no Brasil?
Recomendo este aqui, escrito pelo doutor em Filosofia Alfredo Culleton (sim, meu irmão!).
É longo, mas vale a pena!.

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Onde está enterrado o ex-governador Hercílio Luz? Apesar da falta de registros oficiais, achamos algumas evidências

Neste 29 de maio completam-se 160 anos do nascimento da mais lembrada e homenageada figura pública de Santa Catarina.
Hercílio Luz, o primeiro governador eleito pelo voto direto, nasceu em Desterro e foi duas vezes governador do Estado.
O que se sabe, e ainda gera controvérsias, é que ele está enterrado sob a sua estátua, na cabeceira insular da ponte que leva seu nome.

Imagem: reprodução do livro “História de Florianópolis’, de Carlos Corrêa

Bisneta confirma tradição oral
Quando morreu, em 20 de outubro de 1924, o político foi enterrado no Cemitério do Hospital de Caridade, no jazigo da família Luz.
Doze anos depois, com a inauguração do monumento em sua homenagem, 12 de outubro de 1936, o corpo teria sido transferido para a cabeceira da ponte.

Inauguração do monumento, em 1936 (Imagem: autor desconhecido)

A informação foi dada ao Floripa Centro por Elise da Luz Schmitt Souza, bisneta do ex-governador, que trabalha como cartorária na Capital.
Elise consultou a sua mãe, Heloisa da Luz Costa Schmidt, também moradora de Florianópolis.
“A tradição oral da família sempre apontou que, primeiro, ele foi enterrado no Caridade e depois, sob o monumento. Mas, não existe nenhum registro oficial sobre isso”.
Heloisa, 76, é filha de Alda Luz Costa, que tinha sete anos quando Hercílio morreu. Alda, por sua vez, era filha de Coralia, segunda esposa do político.

Oficialmente, ninguém sabe onde está enterrado
Em Rancho Queimado, a 100 quilômetros da Capital, existe o Museu Casa de Campo do Governador Hercílio Luz, mantido pela Fundação Catarinense de Cultura.
A administradora do espaço, Adriana Sagaz, diz que não é possível afirmar o local onde o ex-governador está enterrado.
“Isso é uma incógnita e objeto de estudos de vários historiadores ao longo dos últimos anos. Pode estar no cemitério do Hospital de Caridade ou na cabeceira da ponte. Mas, até agora, ninguém conseguiu confirmar…”

Casa de campo, em Rancho Queimado (Arquivo: FCC)

Nem mesmo nos arquivos do Centro de Memória do Hospital de Caridade há referências sobre o destino do corpo.
Oficialmente, consta que foi enterrado no cemitério local, da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos, e depois seu corpo teria sido ‘transferido’.

“Nunca tive essa informação. Há algumas possibilidades: no Hospital de Caridade, no Museu em Rancho Queimado ou no Cemitério do Itacorubi, no jazigo da família Luz Silveira”, afirma o professor Nereu do Vale Pereira, de 91 anos, um dos mais antigos historiadores de Florianópolis. “Na cabeceira da Ponte? Nunca ouvi falar sobre isso…”.

Ex-governadores desconhecem destino dos restos mortais
O Floripa Centro ainda consultou dois ex-governadores com ‘raízes’ florianopolitanas.
O senador Esperidião Amin supõe que esteja enterrado no Cemitério Municipal São Francisco de Assis, no Itacorubi. “Ou, quem sabe, no Cemitério da Irmandade Senhor dos Passos, no Hospital de Caridade…”
Já o ex-governador Jorge Bornhausen disse desconhecer onde está enterrado o homem que dá nome à ponte.

Ou seja, 96 anos após a sua morte, de autoridades a historiadores, passando pela própria família, ninguém sabe ao certo onde está enterrado um dos personagens mais conhecidos da história de Santa Catarina e que empresta o nome ao Aeroporto Internacional da Capital, à Ponte e ao time de futebol da cidade de Tubarão, além de inúmeras praças, escolas, avenidas e ruas do Estado.

Em meio às incertezas, o Floripa Centro aposta na tradição oral da família para afirmar que Hercílio Luz estaria enterrado na cabeceira insular da Velha Senhora. E aguarda a confirmação dos especialistas…

Características do monumento
A estátua em tamanho natural mostra o desterrense olhando para o horizonte, em direção ao Norte da Ilha de Santa Catarina, segurando um chapéu e uma bengala.
Na base, a escultura de uma mulher seminua, representando a liberdade, que estende o braço em direção ao ex-governador, com uma flor na mão (atualmente, por causa do vandalismo, sobrou apenas o talo de metal).


Embaixo está escrito: “A Hercílio Luz, o povo de Santa Catarina – 29-5-1860 – 20-10-1924”.
Em outra lateral, uma placa (reposta recentemente) com a seguinte inscrição: “A Hercílio Luz, no centenário do seu nascimento, homenagem do povo de Santa Catarina e do governador Heriberto Hülse – 1860 – 29 de maio – 1960”.

(Texto e imagens atuais: Billy Culleton, 29/5/2020)

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Histórias do Centro

Resgate histórico – O dia em que o imperador Dom Pedro I visitou Desterro, assistiu à missa, passeou e foi embora

Por Billy Culleton

Foi graças a um pescador que o governador de Santa Catarina, brigadeiro Francisco de Albuquerque Mello, ficou sabendo da presença do imperador Dom Pedro I em Desterro.
Eram 17h30min do dia 29 de novembro de 1826 quando o navio com o imperador a bordo fundeou na Praia de Canasvieiras, no Norte da Ilha de Santa Catarina.

Tela de Cibele Souto Amade mostra desembarque de Dom Pedro I em Canasvieiras. Num escaler, o imperador deixa a nau rumo a Desterro. Ao fundo, a fortaleza de São José da Ponta Grossa.

Na madrugada do dia seguinte, Dom Pedro acordou às 5h e deixou o navio a bordo de um pequeno bote, chamado escaler, em direção ao Centro da cidade, onde chegou antes do meio-dia.
Alertado pelos nativos, o governador foi tentar recepcioná-lo na Baía Norte com seu próprio escaler, mas os ventos não permitiram o encontro no mar.

Para surpresa geral, Dom Pedro e sua comitiva desceram no Forte Santana, na atual avenida Beira Mar Norte, e foram caminhando até a Catedral para assistir à missa.

Forte Santana, no Centro da cidade

O imperador estava a caminho do Rio Grande do Sul e pretendia coordenar as tropas brasileiras que lutavam contra a Argentina pela posse do território uruguaio: era a Guerra Cisplatina, que se desenvolveu entre os anos 1825 e 1828.

Os detalhes desta história foram descobertas recentemente e estão baseadas no relato do próprio imperador, que escreveu uma espécie de diário, chamado ‘Itinerário de Jornada’, sobre sua viagem de 37 dias pelo Sul do Brasil.
O manuscrito foi anexado à carta enviada à imperatriz Leopoldina, desde Porto Alegre, em 8 de dezembro de 1826. O documento está arquivado no Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro.

O resgate histórico foi feito pelo jornalista gaúcho Nelson Adams Filho, em seu livro “A maluca viagem de Dom Pedro I pelo Sul do Brasil”, lançado em 2016. Nele, são apresentados as particularidades da aventura que esta reportagem do Floripa Centro transcreve.

Caminhada pela Praia de Sambaqui
Dom Pedro I tinha saído do Rio de Janeiro em 25 de novembro e quatro dias depois chega a Desterro, sua primeira parada, onde ficaria dois dias.

Duas horas depois de sair de Canasvieiras, seu escaler chegou na Ponta do Sambaqui. Ali, Dom Pedro colocou os pés em terra pela primeira vez no Sul do Brasil. Caminhou pelo local e, depois de uma hora e meia, continuou navegando pela costa Oeste da Ilha, passando por Santo Antônio de Lisboa, Cacupé e João Paulo, até a Baía Norte, onde chegou às 11h30min.

Mapa mostra alguns dos locais por onde passou o imperador até chegar no Centro (Imagem: Viva Floripa)

Ali desembarcou no Forte Santana (que ele chama de Forte do Estreito), seguindo imediatamente a pé até o centro da cidade, onde assistiu à missa na Catedral.

No trajeto de 15 minutos, algumas pessoas que já sabiam da ilustre presença começaram a acompanhá-lo e aclamá-lo pelas precárias ruas da época.
“Esta feliz notícia, comunicou-se logo por toda a cidade por maneira que no desembarque e por todo o trânsito até a Igreja matriz, foi S. Magestade acompanhado pelo povo que em vivas patenteava os seus sentimentos e, na sua ingenuidade, a sinceridade das suas impressões”, escreveu o governador Albuquerque Mello, em correspondência enviada semanas depois ao marquês de Caravellas, ministro do Império.

Passeio a cavalo pelo Centro
No manuscrito, Dom Pedro conta que após a missa na atual Catedral foi com sua comitiva ao Palácio do Governo (hoje, Palácio Cruz e Sousa) onde se hospedou.
Ali recebeu as homenagens das autoridades locais e de “cidadãos de todas as classes que, à porta, ambicionavam a honra de beijar a mão augusta do adorado soberano”, como detalha o governador.

Mas o imperador buscou abreviar as deferências porque queria conhecer os encantos da cidade. Por isso, depois do almoço subiu no seu cavalo para dar um passeio pelas redondezas, que se estendeu por toda a tarde.

Tela “A proclamação da Independência” (1844), de François-René Moreaux, dá uma ideia de como teria sido a recepção de Dom Pedro I em Desterro

A presença do imperador provocou um frenesi entre os moradores do Centro. “Repicavam os sinos, chamando as irmandades para, reunidas ao vigário, conduzirem o pallio; os tambores tocando a reunir soldados de linha e milicianos. Apressadamente tratavam outros de mandar preparar as lanternas e candieiros com azeite de baleia para iluminação, enquanto outros se dirigiam à mata em busca de palmeiras para ornamentação das praças e ruas; dir-se-ia que uma violenta comoção nervosa havia abalado aquelle pacato povo”, contou Albuquerque Mello.

Na época, a Ilha tinha 6,5 mil moradores e a província de Santa Catarina somava 35 mil habitantes.

Naquela tarde, Dom Pedro I começou a preparar a sua saída a cavalo para o Rio Grande do Sul, seu destino final. Para isso, como explica o governador, “ordenou a prontificação dos seus transportes, pagando tudo do seu particular bolsinho”.
Adams Filho, autor do livro ‘A maluca viagem...’, explica que o cavalo campeiro já existia em território catarinense desde 1517, trazido por Álvar Núñez Cabeza de Vaca, explorador espanhol.

Às 4h do dia 1º de dezembro, a pequena comitiva deixou o centro de Desterro pelo mar.

Detalhe da tela de Cibele Souto Amade

A bordo do escaler saíram do Forte Santana e costearam a margem Oeste da Ilha, passando pelas praias do Saco dos Limões, Costeira, Tapera e Ribeirão da Ilha até chegar à Caieira do Sul.

Três dias cavalgando por Santa Catarina
Em seu Itinerário, Dom Pedro informa que o percurso de 40 quilômetros até as proximidades da Fortaleza de Nossa Senhora de Araçatuba (atual Praia de Naufragados) foi completado em pouco mais de quatro horas, chegando às 8h30min.
Ali tomaram café da manhã, já providenciado por um grupo precursor, o mesmo que comprou os cavalos para a viagem.

Dom Pedro I nas Torres em pintura de Cibele Souto Amade

Às 11h30min, iniciaram a travessia de barco para o continente até a Praia do Sonho. Iniciava-se, nesse momento, a cavalgada de 450 quilômetros até a capital gaúcha, sendo 200 deles pelo litoral catarinense.
“A 1 hora chegamos ao Rio Imbahá (Embaú) aonde passamos em canoas e os cavalos a nado, montamos do outro lado do rio a 1 ½ e chegamos à Praia de Garopaba às 3 ½ e à Armação (Imbituba) às 8 ½”, escreveu Dom Pedro, que era um exímio cavaleiro.

Naquele dia, a comitiva fez um total de quatro horas e meia navegando e oito horas cavalgando. Lembrando que Santa Catarina não tinha estradas à época, eram trilhas ou pedaços de caminho.
Já os navios de transporte com as tropas, as corvetas e a Nau Pedro 1, que acompanhavam o imperador e chegaram com ele a Canasvieiras, seguiram pelo mar para Rio Grande.

A Nau Pedro I é a primeira que aparece na pintura sem identificação

Dom Pedro dormiu em rancho abandonado
No sábado, 2 de dezembro, há 193 anos, Dom Pedro sai de Armação, às 8h, chegando quatro horas depois a Vila Nova (atual Imbituba), onde almoçou.
O livro ‘A maluca viagem…’ descreve a sequência. “Às 15h45min, retomaram a jornada e percorreram os 30 quilômetros até Laguna, onde dormiram num casarão de três andares, no Centro, na atual Rua Gustavo Richard. A casa foi demolida no século 20. Era um prédio com três portas de entrada arcadas, idênticas aos portais da Igreja Matriz da cidade. O proprietário era Sidney Barreiros”.

Palacete no centro de Laguna, onde o imperador pernoitou em 1826 (Acervo de Sidney Barreiros, cedida por Adílcio Cadorin – Imagem do livro ‘A maluca viagem…)

Nelson Adams Filho continua: “Em 3 de dezembro, Dom Pedro levantou às 6h e foi à missa no Centro da cidade e logo depois embarcou para atravessar o rio Tubarão. Ele a comitiva retomaram a cavalgada, passaram por Jaguaruna, Araranguá e Arroio do Silva, Balneário Gaivota, chegando a Passo de Torres às 19h30min, onde pernoitaram numa barraca de sapé abandonada.
O sapé é uma gramínea cujos caules são, após secos, utilizados para se construírem telhados de casas rústicas. Após dormirem nesse lugar inóspito, sujo e abandonado, atravessaram o Rio Mampituba e ao chegar a Torres, a primeira coisa que Dom Pedro fez foi lavar-se! Ou seja, estava sujo da jornada e da noite anterior.”

A passagem do Mampituba, em tela atribuída a Jean-Baptiste Debret, em 1827

Cinco dias no Estado rumo ao Rio Grande do Sul
No dia seguinte, entraram no Rio Grande do Sul rumo a Porto Alegre, onde chegaram em 7 de dezembro. Terminava assim a passagem do Imperador Dom Pedro I por Santa Catarina. Foram cinco dias em território catarinense, nos quais ele pôde conhecer parte das belezas do Estado.

Esta história é desconhecida para a maioria dos catarinenses, inclusive as autoridades. Por isso, o Floripa Centro faz eco à reclamação do jornalista Nelson Adams Filho, autor do livro “A maluca viagem…’, que aponta não existir em nenhum lugar por onde Dom Pedro I passou em Santa Catarina, uma placa indicativa ou informação histórica sobre o fato.

Também não há, na literatura do Estado, alusão à passagem do imperador. ‘Um desleixo histórico das autoridades, pesquisadores que parecem desconhecer esse momento”, diz Adams Filho.

(Nesta sexta-feira, 8/11/2019, acontecerá o Seminário “As andanças de D. Pedro I pelo litoral de Santa Catarina”, na Casa José Boiteux, no Centro da Capital. O evento é coordenado pela historiadora Nelma Baldin e contará com palestras de historiadores, informa Moacir Pereira, no DC do final de semana)

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Ponte Colombo Salles completa 45 anos – O dia em que a Ilha entrou para a ‘modernidade’ viária

A inauguração da ‘nova ponte’, em 8 de março de 1975, se transformou num março histórico para a capital catarinense.
A ligação viária de ‘concreto’ entre a Ilha e o continente aliviou o cotidiano de milhares de motoristas que enfrentavam enormes congestionamentos na Ponte Hercílio Luz.
Inicialmente, as quatro pistas da ponte de 1.227 metros eram divididas por uma mureta de concreto, separando o fluxo de veículos que entravam e saíam da Ilha.

Essa estrutura só foi removida na segunda metade da década de 1990.
A obra começou em 1971 com o aterro da Baía Sul, no início do governo de Colombo Machado Salles, que dá nome à ponte.
O projeto arquitetônico foi do arquiteto florianopolitano Pedro de Melo Saraiva (1933-2016), que também desenhou o atual Tribunal de Justiça de Santa Catarina (confira reportagem aqui).
A inauguração – há exatos 45 anos – foi uma grande festa popular, semelhante à vivenciada recentemente com a entrega da ‘nova’ Ponte Hercílio Luz, em dezembro de 2019.

Reprodução revista Manchete publicada no ND pelo jornalista Carlos Damião em 2015

Milhares de pessoas marcaram presença na cabeceira continental prestigiando a convocação feita pelo governador Colombo Salles, que encabeçou as comemorações junto com diversas autoridades federais, estaduais e municipais.
Logo depois dos discursos e do corte da fita inaugural, a multidão atravessou caminhando festivamente até a Ilha.

Imagem atual da Ponte Colombo Salles, à esquerda (Divulgação Secom)

Atualmente, passam pela ponte cerca de 140 mil veículos por dia, segundo medição da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana. Há quatro décadas, a capacidade diária projetada era de 60 mil veículos.

A manutenção da obra sempre foi negligenciada pelas autoridades públicas ao longo destes 45 anos.
Somente em 2019, após uma ação do Ministério Público Estadual, o governo catarinense iniciou uma reforma geral, que ainda está em andamento.

Confira outras imagens da Ponte Colombo Salles:

(A foto de abertura é reprodução do acervo pessoal do ex-governador Colombo Salles feita por James Tavares. As demais fotos antigas pertencem ao acervo da Casa da Memória)

Confira aqui outras reportagens do Floripa Centro

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Os 45 anos do prédio do Tribunal de Justiça – Confira imagens das cinco sedes do Judiciário de SC desde 1891

Em 3 de março de 1975 foi inaugurado um dos prédios mais icônicos da arquitetura moderna no Centro da Capital.
Projetado pelas mãos habilidosas do arquiteto manezinho Pedro de Melo Saraiva (1933-2016), o Palácio de Justiça tem como principal característica as linhas retas em concreto aparente.
Outros dois arquitetos, Francisco Petracco e Sami Bussab, participaram da concepção do prédio de 12 andares, que completa 45 anos nesta terça-feira, 3.

Na época, a edificação abrigava o Tribunal de Justiça e o Fórum da Capital. Este último foi transferido para um prédio circular, ao lado, em 1986.
Já em 2007, foi inaugurada a Torre II, anexo que está unido ao edifício original por três corredores, em diferentes andares.

Veja as sedes ocupadas pelo Judiciário catarinense desde 1891:

1891-1908 – Casa da Câmara, atual Museu de Florianópolis, na Praça XV de Novembro

1908-1929 – Prédio na rua Jerônimo Coelho, esquina com Tenente Silveira (edificação foi demolida)

1929-1968 – Edifício na Praça Pereira Oliveira, na esquina das ruas Marechal Guilherme e Arcipreste Paiva

1968-1975 – Instalações provisórias na antiga concessionária da Ford, na esquina das ruas Felipe Schmidt e Hoepcke

(Créditos da imagens: abertura: arquivo IBGE. Demais imagens: divulgação TJ/SC)

 

 

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Prédio de um dos mais antigos cinemas de Florianópolis será a nova sede do Pró-Cidadão e Procon

Por Billy Culleton

O Pró-Cidadão estará mais acessível à população a partir de junho, quando será transferido da Avenida Mauro Ramos para um prédio no centro histórico da Capital, na Rua João Pinto, a 200 metros da Praça XV.
O novo espaço é um imóvel da década de 1930 e que, por 60 anos, foi usado como cinema.
Imóvel sediou três cinemas
O início do século 20 foi marcado pela popularização dos cinemas de rua em Florianópolis.
Nesse contexto, começam a ser construídas as primeiras edificações específicas para a projeção de filmes.

Rua João Pinto na década de 1940 (Imagem do IHGSC)

A primeira foi a do cinema Cassino, localizado na Praça 15 de Novembro, que teve a sessão inaugural no dia 9 de julho de 1909.
Antes, apenas o atual Teatro Álvaro de Carvalho passava filmes na Capital (a primeira vez foi no ano de 1900).

O Cine Imperial, na Rua João Pinto, Nº 156, foi inaugurado em 4 de setembro de 1932¹.
A moderna sala inclinada tinha 340 lugares e contava também com foyer (espécie de antessala) e bomboniere.

Pintura de Átila Alcides Ramos mostra entrada da sala

O Imperial fechou em 1970 e o prédio se transformou numa fábrica de sabão².
Na década de 1980 reabriu como Cine Coral e, depois como Cine Carlitos, fechando na década de 1990.

Rua João Pinto na década de 1980 (Imagem do IHGSC)

Eram exibidos filmes de todos os tipos e estilos, mas os de faroeste se transformaram nos maiores sucessos de público.

Duas fachadas, em ruas diferentes
O edifício de dois andares atravessa toda a quadra, até a Rua Antônio da Luz, e suas características originais se perderam com o tempo.
A fachada principal, na João Pinto, tinha uma ornamentação rebuscada, descreve a pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina, Adriana de Lima Sampaio, no artigo ‘Inventário e memória: cinemas de rua em Florianópolis’ (2013).

O prédio foi ocupado pela última vez pelas Lojas Milium

A fachada dos fundos, que dava para o mar, era bem mais singela que a principal, mas ainda assim apresentava uma arquitetura digna e que se harmonizava com as edificações vizinhas.

Rua Antônio da Luz, frente ao Terminal Urbano

O interior da sala tinha uma decoração efusiva e a saída do público, após o término do filme, podia dar-se por ambas as ruas, acrescenta Sampaio.

Preço do aluguel quase duplica por causa da reforma do prédio
Atualmente, o edifício encontra-se bastante danificado, com precárias instalações elétricas e hidráulicas, além de avarias estruturais.
Por isso, o prédio deverá passar por uma reforma geral custeada pelo proprietário, que seguirá um moderno projeto arquitetônico concebido pela administração municipal.

Novo Pró-Cidadão: fachada da Rua João Pinto (Divulgação PMF)
Novo Pró-Cidadão: fachada da Rua Antônio da Luz (Divulgação PMF)

Em até seis meses, a prefeitura receberá o imóvel pronto para o imediato atendimento do público, com toda a estrutura necessária, incluindo ar condicionado e mobília.
O local também sediará as instalações do Procon de Florianópolis, que se encontra na Praça 15, perto dos Correios.

O aluguel do prédio para as duas repartições será de R$ 39 mil (hoje, paga-se R$ 75 mil pela locação dos dois imóveis).
Inicialmente, o valor proposto pela Imobiliária Giacomelli era de R$ 20 mil mensais.

Interior do Pró-Cidadão (Divulgação PMF)

O incremento no preço do aluguel é justificado, segundo o prefeito Gean Loureiro, pelas novas condições de negociação: a prefeitura terá à disposição um prédio completamente reformado, com instalações específicas para o atendimento do público, incluindo total acessibilidade e todo o mobiliário, sem nenhum custo extra para a gestão municipal.

Nos cinco anos de contrato, a prefeitura garante que economizará R$ 2,1 milhões, levando em consideração a diferença entre os R$ 75 mil pagos atualmente e os R$ 39 mil do futuro aluguel, que começará a ser desembolsado quando o imóvel for entregue reformado.

A nova sede do Pró-Cidadão e do Procon também trará um novo impulso para a região Leste do Centro que, nos últimos anos, tem visto minguar a presença da população, afetando principalmente o comércio local.

Referências bibliográficas:
¹ Livro “Cinemas (de rua) de Floripa”, de Átila Alcides Ramos, professor e artista plástico (2018).
² ‘Inventário e memória: cinemas de rua em Florianópolis’, Adriana de Lima Sampaio, pesquisadora da UFSC (2013)

A foto de abertura é do arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC)

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Mais perto da população – Pró-Cidadão será instalado no centro histórico (Junho/2019)

 

 

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